Ao entrar como clandestino em um navio pesqueiro para fugir de Gana, Bayan Mahmud, 18, sonhava com o futuro na Europa. Escondeu-se carregando uma garrafa d’água e um saco de farinha de trigo. Não sabia, mas o destino da embarcação era a Argentina.
Três anos depois, ele é hoje uma das grandes revelações das categorias de base do Boca Juniors, o clube mais popular do país. Já ouviu até sobre a possibilidade de se naturalizar para defender a seleção de Messi no futuro.
“Tudo o que fiz foi sobreviver e acreditar que a vida me reservava algo de bom depois de tanto sofrimento”, disse à Folha, surpreso por ser procurado para dar entrevistas.
“Sorte” é a palavra que aparece sempre no discurso do meia e lateral direito do time sub-20. Quando tinha dez anos, seus pais foram mortos em uma briga entre as etnias Mamprusi e Kusasi.
Bayan e o irmão mais velho, Muntala, acharam os corpos ao chegarem em casa. Os dois perderam contato quando, cinco anos mais tarde, o orfanato em que moravam foi atacado por atiradores.
“Só sobrevivi porque consegui correr. Localizei meu irmão em Gana recentemente, pelo Facebook. São lembranças que desejo esquecer.”
Sozinho e com algumas moedas no bolso, chegou a Cape Coast, a 160 km da capital, Acra. Teve a ideia de se esconder no navio e ir embora. A água e a farinha logo acabaram. Sobreviveu porque um marinheiro o descobriu e lhe deu comida.
O desembarque na Argentina foi no porto de Rosário. Vagou pelas ruas até encontrar uma família que o alimentou e o colocou no ônibus para Buenos Aires com a explicação de que, na capital, encontraria africanos.
A sorte o ajudou, de novo. Assim que saiu da rodoviária, encontrou dois senegaleses que o levaram ao departamento de imigração. Mahmud pediu visto como refugiado. Foi enviado a um abrigo.
A única distração passou a ser o futebol. “Comecei a jogar na rua, quando uma pessoa me perguntou se eu não queria fazer teste no Boca Juniors.” O autor do convite era Ruben García, olheiro do clube.
O africano agradou à comissão técnica e passou a morar na Casa Amarilla, o Centro de Treinamento da equipe.
A habilidade lhe rendeu apelidos, como “Diamante Negro” e “Maradona ganês”.
Hoje, recebe R$ 700 por mês. Um acordo com a Nike rende mais R$ 750. Valores modestos no mundo da bola. Para a realidade de Gana, algo que nunca sonharia ganhar.
Animado, Mahmud fala sobre o desejo de virar profissional. Só vacila quando questionado sobre a possibilidade de defender o país adotivo. “A Argentina me deu tudo o que tenho. Mais do que sonhei. Mas minha casa é Gana”, finaliza, sem certeza.
Fonte: Costa Rica Viola