Justiça manda bloquear redes sociais de influenciadoras investigadas por racismo

Contas no Instagram, TikTok e YouTube somam 14 milhões de seguidores; defesa afirma que vídeos foram tirados de contexto

A Justiça do Rio de Janeiro determinou nesta terça (13) o bloqueio das redes sociais das influenciadoras Nancy Gonçalves e Kerollen Cunha.

Mãe e filha são investigadas por suspeita de racismo após a divulgação de um vídeo em que aparecem presenteando crianças negras com uma banana e um macaco de pelúcia. A dupla é alvo de três inquéritos na Polícia Civil, cada um referente a um vídeo —em uma segunda gravação, elas entregam uma banana amassada dentro de uma carteira para uma mulher negra; em outro vídeo, dizem que um motorista negro cheira mal.

O bloqueio das contas do Instagram, TikTok e YouTube vale por seis meses. Caso a ordem seja descumprida, a Justiça prevê multa diária de R$ 5.000. A liminar (decisão provisória) é da juíza substituta Juliana Cardoso Monteiro de Cabelo, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de São Gonçalo.

“As redes sociais das requeridas nas plataformas YouTube, Instagram e TikTok somam cerca de 14 milhões de seguidores, o que fez com que as publicações tivessem ampla repercussão”, afirmou a juíza, na decisão.

“Frise-se ainda que a ampla repercussão e disseminação das publicações podem ter sido monetizadas, trazendo, além da grande visibilidade, lucros financeiros às requeridas às custas de situações que afrontam direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana”, acrescentou.

A defesa da dupla foi procurada, mas não respondeu às perguntas da reportagem.

Após a repercussão do caso, os vídeos foram apagados pelas influenciadoras de suas redes. O perfil no Instagram não publica novos conteúdos desde o dia 31 de maio, quando foi divulgada uma nota à imprensa. No texto, a defesa de Nancy e Kerollen diz que os vídeos que viralizaram foram retirados de contexto e que mãe e filha “estão consternadas com as alegações que foram feitas e repudiam veementemente qualquer forma de discriminação racial”.

“Naquele contexto não havia intenção de fazer qualquer referência a temáticas raciais ou a discriminações de minorias. Nada disso estava em pauta”, diz a nota.

A 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada da Capital também investiga o caso. Os vídeos viralizaram nas redes sociais no dia 30 de maio e, até esta segunda (12), a Ouvidoria do Ministério Público do Rio recebeu 1.083 comunicações sobre o episódio, com pedidos de providência.

Em um dos vídeos, Nancy dá uma banana para um menino negro após ele escolher entre ganhar um presente surpresa ou R$ 10. Diante da cena, o garoto fica aborrecido. Na sequência, a mulher repete a pergunta a uma menina mais nova. Ao falar que prefere ser presenteada, ela ganha um macaco de pelúcia.

Em outro vídeo, mãe e filha dão uma carteira a uma vendedora ambulante sem explicar o que continha dentro. Ao abrir, a mulher descobre que as influenciadoras puseram banana amassada.

Há ainda uma terceira publicação feita pelas duas, dentro de um carro. No vídeo, elas dizem que o veículo está com “cheiro de bicho morto” e sugerem que o motivo é o cabelo do motorista, que é negro.

À polícia o motorista Evaldo Jesus Faria disse não se considerar vítima e afirmou que a cena foi combinada. Ele foi ouvido na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), onde Nancy e Kerollen também prestaram depoimento nesta segunda-feira.

“Em nenhum momento você é pego de surpresa, porque tudo é combinado antes. Elas não fazem conteúdo sem explicar os detalhes do que vai ser feito. Não me senti ofendido. Estava consciente, tanto é que dirijo para elas. Acho que é um mal-entendido da mídia”, disse à imprensa na saída da delegacia.

RACISMO RECREATIVO

Os vídeos de Nancy e Kerollen repercutiram após a advogada Fayda Belo, especialista em direito antidiscriminatório, denunciar o caso em suas redes sociais. Em postagem no dia 30 de maio, ela classificou o caso como racismo recreativo —quando pessoas negras são constrangidas para fins de entretenimento.

A prática é um agravante dentro da Lei de Crime Racial. Pela legislação, quem comete racismo recreativo pode ter a pena aumentada em um terço —nesses casos, pode chegar a oito anos de reclusão.

“Alguém dar de presente para uma criança negra uma banana e um macaco é o cúmulo do absurdo e da barbárie. Ali, ela animaliza e desumaniza esses corpos. Ela remete àquela ideia falsa de que o negro é um animal”, disse Fayda.

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