Lilico por Noriko Izumi Kawabata

por Noriko Izumi Kawabata  via Guest Post  para o Portal Geledés

iStockphoto

Era uma vez um menino esperto, inteligente e carinhoso chamado Lilico.

Sua mãe, uma negra bonita e trabalhadeira estava muito orgulhosa em matricular seu filho querido na escola de seu bairro. Sempre que saía para trabalhar, admirava a beleza e a imponência do edifício e sonhava com o dia em que seu filho pudesse frequentar a escola junto com outros meninos da vizinhança.

No primeiro dia de aula Lilico chegou ansioso, estava todo arrumado com sua bolsa e o uniforme novo. Estava emocionado com a possibilidade de poder fazer novos amigos e ter uma professora que lhe ensinasse a ler e escrever, pois seus pais lhe disseram que era o jeito que as pessoas tinham para melhorar de vida.

Já na fila, um menino deu um empurrão para lhe tomar o lugar, uma funcionária viu a agressão e chamou a atenção do garoto. Este ao ser corrigido, olhou ameaçador para Lilico e disse que no recreio iria acertar as contas.

Na classe, tudo transcorreu normalmente. Ele adorou a professora! Era dócil e comunicativa e tinha muita paciência. Conversou com a turma, deu as boas vindas , contou história e deixou a turma desenhar. Chegou a hora do recreio, o coração do menino ficou apertado pela ameaça do menino, mas teve que descer para o pátio.

Estava lanchando sozinho, pois nenhum amiguinho quis sua companhia. Neste momento, o menino que o empurrou na fila, chegou com mais ou menos dez amigos e começou a insultá-lo e humilhá-lo dizendo: “neguinho, pedaço de carvão por que não vai engraxar os sapatos” . Lilico ficou assustado, depois sentiu um misto de revolta, tristeza e medo. Os meninos não pararam e começaram a cantar em coro: “… vida de nego é difícil, é difícil como quê,lé,lé,lé,lé ”.

O menino não aguentando a humilhação, saiu correndo para algum lugar onde pudesse encontrar um pouco de paz. A professora ao ver o estado desesperador foi ao seu encontro e pediu que contesse o que aconteceu. Ao saber do fato, olhou carinhosamente nos olhos dele e prometeu conversar com a turma a respeito, Lilico se sentiu protegido.

Quando os alunos voltaram à sala, encontraram dois pacotes em cima da mesa da professora. O primeiro estava coberto com um papel colorido e o outro com um papel pardo. A mestra propõe aos alunos que escolham o pacote que mais lhes agrade. É lógico que a maioria escolheu o primeiro pacote e para a surpresa de todos; quando a professora tirou o revestimento encontraram um tijolo no pacote colorido e no outro uma caixa de bombons.

Diante da surpresa dos alunos , ela explicou que todos nós somos como um pacote de presente, revestidos com um papel (a nossa pele) , pois Deus em sua sabedoria nos fez diferentes para podermos aprimorar o nosso senso de respeito, e principalmente testar a capacidade de amar e compreender o próximo. E completou dizendo que todos somos diferentes, mas que cada um de nós temos a “nossa beleza singular”. Os meninos envolvidos no “episódio racista”,ficaram extremamente envergonhados e pediram perdão ao Lilico. E assim, viveram felizes para sempre… ( fim)

E na nossa vida, estamos atentos para vislumbrar o interior do “pacote” ou estamos apenas julgando e muitas vezes condenando apenas pela “estampa”?

 

 


Noriko Izumi Kawabata

Professora há 26 anos, atuo na educação infantil, fui diretora por 12 anos num núcleo municipal que atende crianças e adolescentes de 5 a 12 anos. Voluntária que uma ong de preservação da cultura afro ( Acogelc) e também tenho um livro com a biografia de uma neta de escrava que morava na minha cidade, com 110 anos na época da publicação do livro. Também escrevo contos sobre algumas situações de preconceito que acontecem com crianças afrodescendentes na escola.

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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