Mais de 180 mulheres foram mortas na BA em 2020: ‘É preciso entendimento social para mudar esses dados’, diz pesquisadora

Enviado por / FonteG1, por Itana Alencar 

O levantamento anual feito pela Rede de Observatórios da Segurança aponta que 181 mulheres foram mortas na Bahia em 2020. Desse total, 70 foram vítimas de feminicídio, crime de ódio em que a mulher é assassinada em contexto de violência doméstica ou por misoginia – aversão às mulheres.

Além da Bahia, a organização analisa dados de outros quatro estados: Ceará (138 casos, entre homicídios e feminicídios), Pernambuco (144, somando homicídios e feminicídios), Rio de Janeiro (84, contando homicídios e feminicídios) e São Paulo (200, também entre homicídios e feminicídios).

Em comparação com eles, o estado baiano é o líder no homicídio de mulheres (111) e fica em 3º lugar no ranking dos feminicídios (70), somando 181 no total dos crimes.

Os dados foram publicados pela Rede nesta quinta-feira (4). Outros dados analisados pela Rede são: violência sexual e estupro; cárcere privado; agressões verbais e ameaças e tentativas de feminicídio. Veja tabela abaixo:

No primeiro semestre de 2020, o Monitor da Violência do G1 registrou um aumento no número dos feminicídios, em comparação ao mesmo período de 2019. A cientista social e pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e Iniciativa Negra, Luciene Santana, detalha que os números cresceram durante a pandemia.

“Nos cinco estados da Rede, foi identificado que os casos cresceram nesse período de pandemia. A gente conseguiu identificar esse aumento nos casos de violência e também de feminicídio. Na Bahia, o mês que nós mais registramos casos de feminicídios foi maio. Esse crescimento em relação à pandemia é relacionado ao fato de que, por essas mulheres estarem dentro de casa, elas podem estar convivendo mais tempo com seus agressores”.

Apesar do crescimento estar relacionado ao período pandêmico, é preciso detalhar, no entanto, que: se as mulheres estão sendo agredidas, violentadas e mortas dentro de casa, a culpa não é da pandemia, mas sim de comportamentos culturais de machismo e da ineficácia da polícia e da Justiça.

“É importante que a gente consiga aumentar a proteção judicial dessas mulheres, com emissão de medidas cautelares e de proteção, por exemplo. A gente vê que muitas mulheres que foram vítimas de feminicídio tinham, primeiramente, feito uma denúncia, registrado um boletim, e posteriormente foram vítimas. Isso aconteceu nos cinco estados da Rede de Observatório, então é muito grave”, enfatiza Luciene.

“Mesmo com a pandemia e tendo medo de serem vítimas do coronavírus, elas não deixaram de ser vítimas de homicídios e de feminicídios”.

Falta de perfil das vítimas e qualificação dos crimes

Por ano, 50 mil mulheres são assassinadas no mundo, vítimas de violência doméstica — Foto: Getty Images/BBC

Outra ponto levantado pela cientista social e pesquisadora é que: há a necessidade de classificar os tipos de violência corretamente. Muitos casos de feminicídio são subnotificados porque acabam sendo enquadrados como homicídios de mulheres. Nenhum transfeminicídio foi notificado na Bahia.

“Para nós, há uma questão em relação à subnotificação, que é conseguir de fato que esses crimes sejam informados como feminicídios, no caso das vítimas terem morrido também por esse componente de gênero, que está presente nessa agressão. Por exemplo: uma mulher que foi achada morta, queimada, no porta malas de um carro. Essa morte entra inicialmente como um homicídio, mas ela pode ser um feminicídio”.

“É preciso classificar esses crimes da maneira correta, cumprindo o direito à memória dessas vítimas também”.

Além da subnotificação dos tipos de violência, a Rede de Observatórios também encontrou dificuldades em obter dados relacionados aos perfis das vítimas. De todos os casos registrados, apenas 26 vítimas tiveram a cor divulgada, por exemplo.

“É importante conseguir qualificar essas informações, ou seja, trazer dados que muitas vezes não são registrados nas informações oficiais, como por exemplo: o perfil dessas mulheres, a idade, a cor, onde esses casos estão majoritariamente ocorrendo. Essas informações ajudam a chamar atenção da sociedade, dos poderes e entes públicos para o que está acontecendo”.

O perigo dorme ao lado

Monitor da violência – feminicídio — Foto: Editoria de Arte/G1

Com poucas exceções que confirmam a regra, é de conhecimento empírico que a maioria absoluta das vítimas de feminicídio são mortas por seus companheiros ou ex-companheiros. A partir disso, Luciene levanta outra questão: qual a motivação desses crimes?

“Em primeiro lugar, nos casos de motivação das tentativas e agressões nós temos: brigas e violência doméstica; términos de relacionamento; ciúmes e suposta traição. No caso das motivações de feminicídio, nós temos: brigas e represálias; términos de relacionamento; ciúmes e suposta traição, que também é uma informação importante da gente divulgar, enquanto Rede de Observatório”.

“As mulheres em suas próprias residências, que deveria ser o lugar de acolhimento, onde elas se sentiriam seguras, elas estão passíveis de serem violadas, violentadas e mortas”.

A cientista social e pesquisadora aponta iniciativas do estado que contribuem para a diminuição de casos, como por exemplo a Ronda Maria da Penha, que é uma ação pioneira da Polícia Militar da Bahia, que coloca tropas especializadas na prevenção e enfrentamento à violência contra mulher.

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), no bairro de Periperi, em Salvador para onde preso foi levado — Foto: Camila Oliveira/TV Bahia

“Ações como a Ronda Maria da Penha e as Deams [Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher] são importantes ferramentas de prevenção a essa violência. A rede de atendimento para essas vítimas é fundamental para atuar na aplicação de medidas cautelares nas prisões, e na proteção dessas mulheres”.

“A gente acredita que essa rede precisa ser ampliada. É preciso ampliar também as delegacias e as formas dessas mulheres denunciarem essas agressões”.

Luciene também aponta o papel da sociedade para prevenir essas situações. Para ela, é fundamental a contribuição social para que os dados diminuam.

“É uma questão também cultural, em relação ao machismo, ao sistema patriarcal, em que essas mulheres são colocadas em situação de desigualdade em relação ao homem, e vista também por esses parceiros e ex-companheiros como objetos, como propriedades, por isso passíveis de serem mortas e violentadas”.

“É preciso de fato um entendimento cultural e social sobre essas questões, para que a gente consiga transformar esses dados”.

 

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