O modelo paulista de cotas universitárias é bom?
NÃO
Fernando Henrique Cardoso afirmou, recentemente, que o PSDB precisa ouvir o povo.
O PT fez, em parte, exatamente isso. Após o Bolsa Família, lançou um grande programa de cotas raciais e sociais para as universidades federais.
O seu projeto de democracia social está, no entanto, limitado por alianças com setores reacionários, o que acarreta prejuízos aos trabalhadores –em coisas como o apoio aos acordos coletivos com diminuição de direitos trabalhistas ou as desonerações das contribuições previdenciárias das empresas sobre a folha de salário.
Quanto às cotas, devem ser aplaudidas, por atenderem ao clamor dos excluídos.
Na mesma trilha, o governo paulista do PSDB anunciou, pela imprensa, o programa de cotas para as suas impenetráveis, ao povo, universidades estaduais.
De forma elitizada, a partir de sua noção de mérito, diz que os negros e pobres somente podem fazer o curso eleito depois de serem considerados, por um sistema chamado de “college” (até o nome é esnobe), suficientemente bons para merecer o que almejam.
Colhe uma observação sobre o que a elite paulista entende por mérito. Em geral, considera merecedores os provenientes de seu seio: jovens brancos, que cursaram os melhores colégios privados.
Certamente que, entre os pobres e os negros, há pessoas mais aptas do que as que se enquadram nesse molde de merecimento. Alijados, com destaque para a questão racial, não têm acesso aos meios adequados para provar suas qualidades.
Se pensarmos com honestidade a meritocracia, ainda que em termos liberais, os mais capazes, excluídos em decorrência de sua condição econômica ou racial, devem ser contemplados com mecanismos que os coloquem verdadeiramente em igualdade na disputa. É a velha máxima jurídica de se tratar os desiguais na medida da sua desigualdade como forma de se alcançar a justiça.
Vista sob outra ótica, a meritocracia deve contemplar o que é melhor para a universidade, enquanto local de produção de conhecimento que interessa à sociedade. Quanto mais plural for o espaço universitário, maior será a possibilidade de se atingir tal meta.
No que concerne às cotas do governo paulista, não atendem a esses postulados e às vozes provenientes das ruas.
Após rumores na imprensa de qual seria o modelo adotado, a sociedade civil organizada se posicionou contrariamente por meio de manifesto da frente em favor das cotas de São Paulo. O documento, que se encontra disponível na internet, foi apresentado ao governo estadual, sendo que conta com a assinatura de mais de cem entidades e de vários professores das universidades estaduais paulistas, dentre outros. Ali se encontram a insatisfação com a proposta e a solução do problema, indicadas pelos movimentos e atores sociais.
É interessante constatar ainda o desprezo à autonomia universitária. Ao anunciar pela imprensa modelo já acabado, o governo acredita que certamente será aprovado pelas instâncias universitárias. Admitida tal premissa, percebe-se a fragilidade dessa autonomia, já que submetida à vontade do Executivo –como já se deu, por exemplo, quando o atual reitor da USP, escolhido pelo governador, sequer encabeçava a lista tríplice dos indicados.
Dando as costas, sobretudo, ao povo de São Paulo, o governo paulista manteve a proposta nos moldes elitistas em que foi inicialmente anunciada. Não deu ouvidos ao povo, concebendo simulacro de inclusão social –expressão usada por um dos reitores das estaduais em referência às cotas do governo federal.
MARCUS ORIONE, 48, doutor e livre-docente, é professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
Fonte: Viomundo