Masculino/Feminino: as fronteiras de gênero se misturam

Cada vez mais presentes no debate público no mundo todo, as questões de identidade de gênero já despertam resistência e até disputas políticas

Da Carta Capital 

Conchita Wurst, a travesti austríaca que venceu o concurso Eurovision em 2014

A separação entre masculino e feminino foi superada? No cinema, no teatro, nos museus, na mídia e nos desfiles de moda, a “fluidez de gênero” é o assunto do momento, desafiando as fronteiras estabelecidas e os estereótipos ligados aos sexos.

As questões de identidade de gênero estão cada vez mais presentes no debate público no mundo todo, onde despertam resistências ardorosas e, às vezes, duras disputas políticas.

“Tornou-se um assunto do cotidiano atual nos jornais”, afirma Johanna Burton, curadora de uma exposição sobre o tema aberta no fim de setembro em Nova York. “Ele aparece até em questões tão fundamentais quanto a dos banheiros”, ressalta a historiadora de arte americana entrevistada pela AFP, referindo-se às polêmicas nos Estados Unidos sobre a utilização de banheiros públicos por estudantes transgêneros.

Na exposição “Gatilho: gênero como ferramenta e arma”, no New Museum, museu de arte contemporânea em Manhattan, ela reuniu fotografias, esculturas, pinturas, vídeos e performances de cerca de 40 artistas de todas as idades, que exprimem, em suas obras, uma rejeição da categorização binária homem/mulher.

As telas também estão cada vez mais repletas de personagens transgêneros nas séries, de “Transparent” a “Orange Is The New Black”. Em “Sense 8”, das irmãs Wachowski – elas mesmas trans -, a atriz transexual Jamie Clayton encarna Nomi Marks, uma hacker que mudou de gênero.

Na França, o célebre festival de cinema de Avignon anunciou que sua próxima edição vai explorar “o gênero, a trans-identidade, a transexualidade”.

Já a transição do ex-atleta Bruce Genner para Caitlyn causou alvoroço na imprensa internacional em 2015. Em um ano, as revistas National Geographic e Time dedicaram coberturas especiais ao tema, enquanto o grupo Condé Nast (Vanity Fair, Vogue, GQ, entre outras) anunciou o lançamento, no fim de outubro, de um novo veículo digital dedicado à comunidade LGBT.

‘Fenômeno Conchita Wurst’

“Não existe mais gênero. Homem ou mulher, agora podemos escolher o que vamos ser”, garantiu, em 2015, Guram Gvasalia, CEO da marca Vetements, que tem coleções mistas.

Nas passarelas, de Nova York a Paris, de Milão a Londres, mulheres e homens desfilam cada vez mais simultaneamente, e várias grifes novas propõem um vestuário que ignora os gêneros.

Para o filósofo francês Thierry Hoquet, a novidade está no surgimento de um “fenômeno Conchita Wurst”, a travesti austríaca que usa barba, maquiagem e vestidos de festa, participante do concurso Eurovision em 2014.

“Hoje, temos indivíduos que apresentam características muito masculinas ou muito femininas misturadas. Eles não buscam criar um retrato coerente desses signos”, avalia o especialista.

Embora reconhecendo que esses “piratas do gênero” são uma “ultra minoria”, o autor de “Sexus Nullus, ou l’égalité” (Sem sexo, ou a igualdade), de 2015, e “Des sexes innombrables” (Os sexos incontáveis), de 2016, acredita que eles podem ser “muito influentes”.

Essa fluidez está longe de agradar a todos. “Uma batalha política acontece hoje no território do gênero”, avalia a historiadora americana Joan W. Scott, uma das pioneiras dos estudos de gênero.

“Os partidários da ordem estabelecida, os grupos antigênero como o Vaticano, os fundamentalistas religiosos, os populistas, os nacionalistas e até partes da esquerda se organizam para impedir que se espalhe a ideia de que o gênero é fluido e sempre capaz de mudar”, destaca ela.

Símbolo dessas resistências, Donald Trump anunciou recentemente seu desejo de proibir transgêneros nas Forças Armadas americanas. Na França, uma grande manifestação contra a lei do casamento homossexual levantou palavras de ordem como “não toque nos nossos estereótipos” e criou uma frente contra a suposta “ideologia de gênero” ensinada nas escolas.

Para a socióloga francesa Marie Duru-Bellat, autora de “La tyrannie du genre” (A tirania de gênero) publicado pela Presses de Science Po, se há “modelos que se movem” na cena cultural, por outro lado, na sociedade, “há um endurecimento, uma radicalização das divisões entre homens e mulheres”.

Ela menciona os cursos cristãos de “apoio à masculinidade” e os estereótipos solidamente reforçados nas crianças como exemplos disso. “De qualquer forma, para muita gente a igualdade é a complementaridade, por isso não se deve mexer nos modelos de gênero na forma como eles existem”, conclui.

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