Moa do Katendê, morto em 2018, revolucionou cultura afrobrasileira e virou filme

'Conhecer Moa é conhecer nossa própria identidade. É um grande passo para a igualdade', diz documentarista

Moa do Katendê já era uma pessoa bem conhecida quando o cineasta Gustavo McNair o encontrou pela primeira vez. Ele, que nunca tinha tido contato com a história do compositor e capoeirista baiano, ficou encantado com aquela figura tão importante para a cultura negra no Brasil, e decidiu que todo mundo também tinha que saber mais sobre ele.

Surgia assim a ideia de “Moa, Raiz Afro Mãe”, um documentário que contaria tudo sobre Mestre Moa a partir de entrevistas com ele e com as pessoas que já tinham trabalhado com ele em algum momento de sua carreira. Gustavo começou, então, a produzir o filme.

Só que, em 8 de outubro de 2018, depois que boa parte da obra já vinha sendo gravada, a vida tomou um rumo inesperado. Moa, que passava boa parte de seu tempo viajando pelo mundo para dar aulas sobre música e capoeira, estava em Salvador para participar das eleições para presidente do Brasil.

Nascido e criado no bairro do Engenho Velho de Brotas, na capital baiana, ele estava de volta ali visitando sua família. Depois de votar, entrou em um bar com amigos. “As eleições estavam causando muita polarização”, lembra o cineasta Gustavo. “E o Moa, como um preto periférico preocupado com questões sociais, era apoiador do Partido dos Trabalhadores. Entrou um cara que ninguém conhecia falando mal do PT e defendendo [o ex-presidente Jair] Bolsonaro.”

“Eles discutiram, o cara saiu do bar e voltou com uma faca nas mãos. Ele deu 12 facadas no Moa pelas costas. O primo do Moa estava lá também e tentou defendê-lo, mas não conseguiu e ainda foi ferido”, conta Gustavo.

A morte de Moa paralisou o projeto do documentário. “Foi horrível. Sentimos muita revolta, muita tristeza. Mas, depois que esses sentimentos passaram, a gente lembrou que o filme tinha que ser sobre a vida e não sobre a morte dele. Tratá-lo como um mártir político só diminuiria a importância de Moa, e tínhamos que celebrar seu legado”, afirma o cineasta.

E o legado de Mestre Moa envolve ter sido um dos maiores mestres de capoeira da Bahia —ele começou a jogar aos 8 anos de idade— e de ter criado o Badauê, um dos mais famosos afoxés baianos, junto do Filhos de Gandhy. Gustavo explica que afoxés são grupos como se fossem blocos de carnaval, mas que nasceram ligados à religião do candomblé.

“É como um cortejo que sai nas ruas tocando o que se estava tocando lá dentro dos terreiros durante o culto. O Moa revolucionou os afoxés colocando caixas de som onde antes só havia tambores, colocando mais gente para participar, inclusive pessoas brancas e mulheres, e ampliando o repertório para além dos cantos sagrados, trazendo músicas populares.”

O Badauê, afoxé criado por Mestre Moa em 1978, já surgiu com dimensões bem maiores que as dos outros “blocos”, colocando milhares de pessoas na rua logo em seu primeiro cortejo. “Quando eles ensaiavam, todas as semanas, a cidade inteira aparecia lá, além de grandes artistas como Novos Baianos, Luiz Melodia, Caetano Veloso e Gilberto Gil”, conta Gustavo.

Mestre Moa nasceu em 29 de outubro de 1954 e foi batizado como Romualdo Rosário da Costa. Foi percussionista, artesão e educador, além de uma autoridade na capoeira. Buscava “reafricanizar” a juventude da Bahia com suas ações. Em 2018, trabalhava na construção de um instituto em seu bairro de infância para atender crianças carentes da comunidade.

“O Moa representa a nossa cultura afrobrasileira, que veio dos negros escravizados. O Brasil tem muito preconceito racial e essas culturas não têm o espaço e a importância que merecem ter. Conhecer mais Moa é conhecer mais nossa própria identidade, e buscar dar mais espaço para ela do que para a cultura que aprendemos nas escolas, centrada nos portugueses e nas pessoas brancas”, afirma Gustavo.

“Mestre Moa dançava, escrevia, compunha música, fazia artesanato… Ele mostrava vários caminhos de reconexão com nossa cultura originária. Ele era muito sabido, muito hábil. Poder contar essa história não só nos ajuda a estar mais perto dele e aprender com ele, mas é também um grande passo para a igualdade.”

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