Mulher é demitida após denunciar racismo e intolerância religiosa em hipermercado no Rio

Uma auxiliar de cozinha negra foi demitida após denunciar que foi vítima de racismo e intolerância religiosa em uma unidade do hipermercado Atacadão, na Zona Oeste do Rio. A justificativa para a demissão foi ter “se envolvido em situações de conflito com outros funcionários”.

Como mostrou a GloboNews nesta segunda-feira (31), Nataly Ventura da Silva, de 31 anos, afirmou que logo que começou a trabalhar no local já convivia com a discriminação de um colega.

Identificado como Jeferson Emanuel Nascimento, o funcionário é suspeito de ter ofendido a mulher por conta da cor de pele e da religião dela, que é o candomblé.

O Ministério Público do Trabalho afirmou que a funcionária foi surpreendida com a frase “só para branco usar” em um avental. A mensagem foi assinada e escrita por Jeferson.

O órgão, então, entrou com uma ação contra o estabelecimento, do Grupo Carrefour. A GloboNews teve acesso com exclusividade ao documento.

“Eu me senti menor que uma formiguinha. Eu me senti tão mal que eu fui pra trás chorando, cheguei em casa chorando e fiquei com aquilo na cabeça perguntando o porquê, mas não sou eu que tenho que me perguntar o porquê”, lamentou a funcionária.

Procurado pela GloboNews, o Atacadão disse que abriu sindicância para apurar o ocorrido, “que resultou no desligamento do colaborador em questão” (leia íntegra da nota ao fim da reportagem). A GloboNews também procurou Jeferson, que classificou o episódio como “brincadeira”.

Em depoimento, Jeferson assumiu que ser o autor da frase e afirmou que a Nataly pediu apenas para apagar a mensagem. De acordo com documentos internos do próprio mercado, o funcionário já havia sido acusado de racismo e agressão contra outra colega de trabalho na mesma unidade.

“Isso tem que parar. Até quando a gente vai viver se escondendo? Até quando a gente vai viver acuado por conta do preconceito alheio? Eu não acho certo, não acho justo comigo. Cheguei a ficar envergonhada”, disse a auxiliar de cozinha.

Mesmo após a funcionária levar o caso até a chefia, os gestores não puniram o funcionário de forma imediata, apenas o mandaram apagar as palavras.

Posteriormente, Jeferson foi demitido, mas o Ministério Público do Trabalho apontou que a demissão só ocorreu após o início da investigação do caso por promotores.

“Eu fui desligada da empresa. Voltei no refeitório pra poder buscar meus pertences, celular, bolsa de remédio, carregador, e estava lá o avental. No mesmo momento eu tirei a foto, fotografei, mas fiquei muito chateada.”

Na ação contra o hipermercado, o Ministério Público quer o pagamento de uma indenização de até R$ 50 milhões por dano moral coletivo, além da recontratação da vítima.

À Globonews, a procuradora do Ministério Público, Fernanda Barbosa Diniz, destacou a importância de denunciar casos de racismo dentro do ambiente de trabalho.

“O que nós buscamos é que a empresa crie um ambiente de trabalho seguro para os seus trabalhadores. Hoje, a gente vive hoje numa sociedade só para branco usar. E a nossa resposta quanto sociedade é qual? É a mesma resposta da chefia da Nataly, é apagar, esquecer, esconder. O que nós não podemos é continuar perpetuando essa prática”, declarou a procuradora.

O que dizem os citados

A Globonews pediu uma entrevista para os representantes do Grupo Carrefour, controlador do Hipermercado Atacadão, mas eles enviaram apenas uma nota. Confira a íntegra abaixo:

“O Atacadão atua a partir de políticas sérias de diversidade e repudia veementemente qualquer tipo de discriminação. Assim que tomou conhecimento do caso por meio do Ministério Público do Trabalho, abriu rigorosa sindicância para apurar o ocorrido, que resultou no desligamento do colaborador em questão.

A empresa reforça que, quando a denúncia do episódio mencionado foi realizada, a colaboradora já tinha sido desligada após avaliação de desempenho do período de experiência de 90 dias. O Atacadão conta com um canal exclusivo para denúncias, para que os funcionários possam reportar casos internamente de forma anônima.”

A GloboNews também entrou em contato com o funcionário acusado de racismo, e ele negou que seja racista. Jeferson também disse que tudo se tratava apenas de brincadeiras no ambiente de trabalho.

+ sobre o tema

Morre cedo a gente negra

Antônio Bispo do Santos, o popularíssimo pensador quilombola conhecido...

Entrada de professores negros em universidades públicas é abaixo de 1%

O percentual de pretos e pardos nomeados para trabalhar...

Comitiva da ONU aponta impunidade de crimes contra negros no Brasil

A suscetibilidade de jovens negros da zona rural diante...

A potência é o farol

A semana termina com o Rio de Janeiro expondo,...

para lembrar

Cotas, o branqueamento e a discriminação racial

Durante a última semana, houve bastante repercussão sobre a...

Combate à desigualdade racial é decisivo na redução da pobreza 

Neste ano, a Lei 12.711 de 2012 – mais...

Nota da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde contra os atos de intolerância religiosa

Sabemos que as religiões ocupam importante papel político, social...

Grupo multirreligioso de juristas é criado para combater intolerância

Por:Juliana Prado RIO - Representantes de várias religiões decidiram criar...
spot_imgspot_img

Ex-policiais britânicos são condenados por mensagens racistas sobre Meghan e membros da realeza

Seis ex-policiais de Londres foram condenados nesta quinta-feira (7) a penas de prisão, suspensas, por compartilharem mensagens ofensivas e racistas no WhatsApp, incluindo com...

Homem negro é agredido após ser confundido com ladrão em Copacabana: ‘Sou trabalhador’

Em meio a série de casos de violência em Copacabana, na Zona Sul do Rio, um vendedor de balas foi agredido após ser confundido com...

Servidora suspeita de injúria racial durante show é exonerada em MS

Uma servidora, de 49 anos, foi afastada de suas funções por suspeita de injúria racial contra a advogada Juliana Silva, de 32 anos, durante um show...
-+=