APRESENTAÇÃO
Esta coletânea reúne trinta e cinco textos dedicados ao estudo, pesquisa, avaliação, combate e prevenção da violência contra as mulheres no Brasil. Trata-se de conteúdos que foram apresentados por pesquisador@s e professor@s/doutor@s, e discutidos em sessões de conferências e mesas-redondas do III Colóquio de Estudos Feministas e de Gênero (Mulheres e Violências: Interseccionalidades), realizado na Universidade de Brasília (Finatec), no período de 09 a 11 de novembro de 2016.
Historicamente, o Colóquio de Estudos Feministas e de Gênero tem natureza interdisciplinar e interinstitucional desde sua origem. Sua meta é ampliar as articulações e diálogos entre estudios@s e pesquisador@s que compartilham objetivos e compromissos políticos comuns no campo dos estudos feministas e de gênero. No primeiro Colóquio, com o tema Diálogos Interdisciplinares, realizado nos dias 5 e 6 de junho de 2009 em parceria com o Iesb (Instituto de Ensino Superior de Brasília) e a UCB (Universidade Católica de Brasília), tivemos uma boa receptividade, que contou com aproximadamente 200 participantes de universidades locais e também do Centro-Oeste. O livro impresso que publicamos, um dos resultados do evento, teve sua edição esgotada muito rapidamente, o que nos estimulou a manter as publicações para os eventos seguintes. Em 2014, realizamos o II Colóquio, com o tema ArticulAÇÕES e Perspectivas, no Memorial Darcy Ribeiro, no campus da Universidade de Brasília, no período de 28 a 30 de maio. Esse evento recebeu um público de 321 pessoas provenientes de várias regiões do Brasil. O livro digital2 resultante desse segundo evento contou com o apoio da Capes e da Editora Mulheres (Florianópolis); circula gratuitamente não apenas no Brasil, mas na América Latina e em vários países de língua portuguesa e espanhola3. A nossa expectativa é de que o mesmo ocorra com esta coletânea.
O III Colóquio reuniu um total de 386 pessoas, dentre professor@s de Universidades públicas e privadas locais e de outras regiões brasileiras, alun@s da pós-graduação e da graduação, profissionais (da área de saúde, educação e justiça do Distrito Federal e Goiás) que trabalham com o tema da violência contra as mulheres. Contou com o apoio do Fundo de Apoio à Pesquisa, do Governo do Distrito Federal (FAP-DF), do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), da ONU Mulheres, da Finatec, do Núcleo de Gênero Pró-Mulher (MPDFT), do Centro Judiciário da Mulher (TJDFT), das Advogadas pela Igualdade de Gênero e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPeM/UnB). A presente coletânea (e o livro digital) foi produzida com recursos financeiros concedidos pela FAP-DF. A violência contra as mulheres foi abordada nesse evento em múltiplas perspectivas: violência física/sexual/psicológica/ simbólica, feminicídio, violência das representações/imagens das mulheres na mídia/cinema/televisão/arte/ internet/história/literatura/escola, violência aos direitos sexuais e reprodutivos, violência epistêmica e assédio sexual na universidade, estratégias de intervenção em casos de violência (com mulheres vítimas e homens agressores), criminalização das mulheres no Brasil, impactos da violência na saúde mental das mulheres, racismo e sexismo contra mulheres negras, dentre outros.
O termo “interseccionalidades”, que aparece no título dessa coletânea, põe em relevo a diversidade das identidades e experiências das mulheres ao considerar a articulação do sexo/gênero com outros eixos identitários (raça, etnia, classe, sexualidade/orientação sexual, religião, idade/geração, territorialidade etc.) que também participam de discursos e práticas sociais que sustentam desigualdades, exclusões e violências que acometem muitas mulheres em nossa sociedade. Os textos que integram essa coletânea representam a pujança dos estudos e pesquisas marcados por uma perspectiva feminista e interseccional de análise e enfrentamento da violência contra as mulheres. A coletânea está organizada em seis partes.
Na primeira parte, intitulada Patriarcado, poder e violência, estão reunidos cinco textos que compartilham de reflexões e análises feministas que apontam para o poder e violência da cultura patriarcal na construção e naturalização de hierarquias e desigualdades de gênero que promovem o feminicídio, o desempoderamento feminino, o assédio moral/sexual e o estupro de mulheres, a negação e ataques aos feminismos, as omissões em relação ao sistema punitivo/carcerário feminino e a falta de políticas públicas fundamentais para a garantia da vida, da segurança e da cidadania plena das mulheres no Brasil.
A segunda parte, intitulada Violência em imagens, é composta por oito textos que discutem as violências de gênero nas imagens que circulam em diversos artefatos culturais como filmes, documentários, telenovelas, histórias em quadrinhos, livros didáticos e fotografias. A leitura desses textos evidencia que se, por um lado, geralmente os discursos imagéticos produzem/reproduzem o imaginário hegemônico machista que perpetua agressões contra mulheres e a desigualdade entre os gêneros, por outro lado as narrativas imagéticas podem ser instrumentos fundamentais, a partir da elaboração e análise feminista, para desnaturalizar as representações pejorativas das mulheres ao rejeitar a hierarquia e as assimetrias das relações entre os sexos, mostrando que os papéis sociais são construídos e que o próprio discurso patriarcal é marcado de historicidade. Em alguns desses textos a perspectiva interseccional é sublinhada ao se problematizar as opressões de raça, etnia e classe que se articulam ao gênero na perpetuação da violência contra as mulheres.
A terceira parte, Violência em narrativas, possui dez textos onde a complexidade das experiências de violência contra as mulheres, em suas manifestações físicas e simbólicas, é analisada em diversas narrativas: romances de escritoras inglesas, romances góticos, literatura chicana contemporânea, literatura erótica best-seller, contos brasileiros, poéticas da oralidade (slam e cordel), relatos autobiográficos, entrevistas, notícias jornalísticas e usos tradicionais da língua portuguesa no Brasil. Através do poder analítico e transformador da palavra, tais textos objetivam enfrentar e banir a violência de gênero.
Na quarta parte, Violência nas Universidades, são apresentados cinco textos que discutem violências que têm como locus a universidade e seus espaços de produção de conhecimento. O primeiro e segundo textos trazem reflexões sobre os padrões de violência contra as mulheres no ensino superior, especialmente nos casos de assédio e violência sexual, bem como as estratégias de resistência e os mecanismos de enfrentamento assumidos em dois contextos: a Universidade de Brasília e a Universidade Federal do Acre. Também nesse sentido, no terceiro texto é problematizado o assédio moral decorrente das assimetrias de gênero ainda predominantes nas universidades brasileiras de modo geral. Os dois últimos textos tratam de violências epistêmicas. Seja pelas vias da violência simbólica que conduz à interdição de determinadas carreiras universitárias às mulheres, como as Ciências Exatas e as Tecnologias que em pleno século XXI ainda desestimulam a presença feminina, pautada em uma concepção patriarcal de produção do conhecimento. Ou no âmbito mais específico do predomínio de concepções hegemônicas que ignoram a existência de saberes para além da academia, secundarizando a formação acadêmica de mulheres que têm suas trajetórias marcadas pelas interseccionalidades de gênero/raça/classe/etnicidade e outras. Buscando vislumbrar a construção de narrativas interseccionais emancipatórias, o texto que encerra essa parte analisa a produção de uma pesquisadora indígena em um curso de mestrado intercultural da UnB.
Na quinta parte, Violência da proibição do aborto, apresentam-se dois textos: o primeiro deles discute as iniciativas políticas e legislativas em relação ao aborto no Brasil e o modo como elas têm como objetivo impedir o direito das mulheres à saúde e à vida; o segundo reflete sobre o exercício pleno dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil e ressalta que a defesa do direito ao aborto deve incluir, dentre outros fundamentos, a demanda pela eliminação dos atos de violência que recusam a capacidade de decisão das mulheres quanto à possível interrupção de uma gravidez não planejada.
A sexta e última parte, Violência, saúde mental e propostas de intervenção/prevenção, é composta por cinco textos que compartilham reflexões acerca da interseccionalidade entre o fenômeno da violência contra as mulheres, a saúde mental e propostas de intervenção/prevenção. São tratados os seguintes tópicos: invisibilidade da violência no sistema de atendimento à saúde mental; orientação aos profissionais de saúde e distinção legal entre a notificação compulsória e a comunicação externa em casos de violência e de risco de feminicídio em seus atendimentos; construção e validação de checklist de avaliação de risco de violência contra a mulheres na relações de intimidade; modelo de grupos de atendimento e empoderamento a usuárias do sistema de saúde mental com histórico de violência; e enfim, saúde mental dos homens perpetradores de violência.
Certamente, este conjunto de textos evidencia o rico e também promissor estado atual das pesquisas e intervenções, não apenas acadêmicas, mas também de entidades voltadas para ações militantes, relacionadas à violência contra mulheres no Brasil, interessando ao público especializado de modo particular mas, também, aos pesquisador@s, educador@s, professor@s, promotor@s de justiça, profissionais de saúde, agentes de segurança pública, ONG’s, movimentos sociais, dentre outr@s. Trata-se de uma obra coletiva de pesquisador@s das diversas regiões do Brasil que têm como objetivo fundamental contribuir para a produção científica, a avaliação e construção de políticas públicas e saberes/práticas que auxiliem no combate à violência contra mulheres no Brasil. As organizadoras:
Cristina Stevens
Susane Oliveira
Valeska Zanello
Edlene Silva
Cristiane Portela
Leia o PDF completo:
Mulheres e violências: interseccionalidades