Mulheres Negras Lembrando Nossas Pioneiras

A luta das mulheres adquiriu diferentes perfis em nossa história dadas as diferenças de inserções sociais determinadas pelas origens raciais e étnicas das mulheres brasileiras. Em comum elas guardavam o desejo de liberdade. Para as brancas, a luta contra o jugo patriarcal; para as negras, a luta contra o jugo colonial, a escravidão e o racismo que lhe correspondeu.

É de Luiza Mahin que vem um dos brados mais fortes. Inteligente e rebelde, sua casa tornou-se quartel general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século XIX. Luiz Gama, seu filho, abolicionista, herdeiro de sua coragem e luta pela liberdade, escreveu sobre a mãe: ‘‘Sou filho natural de uma negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã”.

Eram dessa mesma têmpera as grandes Iyalorixás. Uma estirpe de notáveis lideranças religiosas em que se destacam Yya Nassô, Mãe Aninha, Mãe Menininha do Gantois, Mãe Senhora, entre outras. Mulheres negras que foram reverenciadas no livro A Cidade das Mulheres (1932), da antropóloga e pesquisadora norte-americana Ruth Landes, para quem a mulher negra ‘‘era no Brasil uma influência modernizadora e enobrecedora.

Economicamente, tanto na África como durante a escravidão no Brasil, contara consigo mesma e isso se combinava com a sua eminência no candomblé para dar um tom matriarcal à vida familiar entre os pobres. Era um desejável equilíbrio para o rude domínio dos homens em toda a vida latina. Observou que as mulheres do candomblé jamais se prostituíam, mesmo quando pobres. Que eram livres no amor, mas não o comercializavam. Eram seres humanos bem desenvolvidos na época em que o feminismo levantava a voz pela primeira vez no Brasil”.

A desumanização produzida pelo racismo e a escravidão não puderam sufocar a ânsia de conhecimento e de expressão de Maria Firmina dos Reis, maranhense de São Luís, bastarda e negra, nascida em 1825. É considerada a primeira romancista brasileira. Seu livro Úrsula é de 1859 e pode ser também considerado o primeiro romance abolicionista escrito por uma brasileira. Até hoje em Guimarães (MA), cidade em que floresceu, ‘‘a uma mulher inteligente e instruída chamam Maria Firmina”!

Respondendo ao mesmo chamado interior, manifesta-se Auta de Souza (1876-1901), nascida em Macaíba, Rio Grande do Norte, de família próspera. Versejando em português e francês, Auta passou a colaborar na melhor imprensa do seu estado antes de completar 20 anos. Seu livro O Horto, publicado em 1901, prefaciado por Olavo Bilac, foi elogiado pela crítica e lido com avidez tanto por intelectuais como pelo povo, que passou a repetir muitos de seus versos sob a forma de cantigas. Foi considerada por Otto Maria Carpeaux a mais alta expressão do nosso misticismo.

Há 70 anos as mulheres brasileiras conquistaram o direito do voto. Um marco na trajetória de luta pela eqüidade de gênero e ampliação do direito à participação política. Entre essas pioneiras, está Antonieta de Barros. Normalista, fundou em 1922 o curso ‘‘Antonieta de Barros”, com o objetivo de combater o analfabetismo, segundo ela, ‘‘impedimento de gente ser gente”. Também jornalista e escritora, foi a primeira mulher negra eleita para a Assembléia Legislativa de seu estado, Santa Catarina (1934-37), pelo Partido Liberal catarinense.

Maria Brandão dos Reis, nascida na Chapada Diamantina em 1900, foi militante política do Partido Comunista por influência da Coluna Prestes. Teve destacada atuação na ‘‘Campanha da Paz”, organizada pelo PCB em 1950. Obteve o prêmio de Campeã da Paz, que lhe valeu o direito de ir a Moscou receber a Medalha da Paz. Isso não se deu porque foi preterida por um jovem intelectual, que ali se embriagou e caiu no rio Volga. Maria Brandão jamais perdoou o Partido Comunista pelo desrespeito e indiferença declarando: {xtypo_quote}Sou preta e ignorante, mas esse papelão eu não faria.{/xtypo_quote}

A essas mães ancestrais, Kolofé! Ka sun ni eró (durmam em paz).

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