Mãe Stella de Oxóssi foi enterrada por volta das 11h30 (12h30 de Brasília) deste sábado (29), no cemitério Jardim da Saudade, em Salvador. O corpo da ialorixá, considerada uma das mais importantes do país, foi levado para o local após um cortejo que saiu da Terreiro Ilê Opô Ajonjá, em São Gonçalo do Retiro, pelas ruas do bairro.
Uma multidão participou da cerimônia. Vestidos de branco, como manda a tradição da religião, filhos e filhas de santo do templo religioso liderado pela ialorixá, além de representantes de terreiros irmãos, acompanharam as últimas homenagens.
Ao chegar no cemitério, o corpo de Mãe Stella foi levado para uma das capelas, mas ficou pouco tempo no local, que foi tomado pelos amigos, familiares e admiradores da religiosa. Logo depois, foi iniciada a cerimônia de sepultamento.
A ialorixá foi enterrada ao som dos atabaques e dos cânticos tradicionais do candomblé. Após baixar o caixão, uma tábua de madeira e dezenas de flores foram colocadas sobre ele. Em seguida, filhos e filhas de santo se abraçaram em um momento de silêncio absoluto, em respeito à memória de Mãe Stella. Antes de deixarem o local, eles acenderam velas ao lado do jazigo.
O vice-prefeito, Bruno Reis, o reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), João Carlos Salles, a senadora Lídice da Mata e o cantor Tonho Matéria participarama da cerimônia.
A ialorixá seria sepultada na cidade de Nazaré, no recôncavo da Bahia, mas o enterro foi transferido para a capital baiana após decisão da Justiça. A ação judicial foi motivada por um impasse entre a companheira de Mãe Stella, Graziela Dhomini, 56 anos, e filhos de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, fundado pela família da líder religiosa.
A decisão da Justiça saiu no início da tarde de sexta-feira (28), durante o velório da ialorixá, realizado na Câmara de Vereadores de Nazaré. A cerimônia era aberta ao público e contava com a participação de filhos de santo, que tiraram o corpo do local após saberem da determinação judicial. No local, o clima ficou tenso.
O corpo de Mãe Stella foi levado do velório direto para Salvador. Ao chegar na capital baiana, foi levado para uma funerária e, em seguida, transferido para o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro de São Gonçalo do Retiro. No local, filhos de santo participaram de uma cerimônia em homenagem à ialorixá.
Segundo Ribamar Daniel, presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá, responsável pela manutenção do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, o enterro de Mãe Stella foi como manda a tradição da religião.
“Nós [comunidade do terreiro] estamos imensamente gratificados com o que ocorreu, porque a nossa ialorixá jamais poderia deixar de receber uma homenagem digna dessa, da sua importância. Essa homenagem é gloriosa, é uma homenagem que se faz a qualquer filho de santo iniciado nas religiões dos orixás [e não poderia ser diferente com uma ialorixá]. Mãe Stela chegou ao topo da hierarquia do candomblé, tornando-se a ialorixá mais importante do Brasil, quiçá do mundo. É conhecida no mundo todo”, pontuou Ribamar.
Graziela não participou do enterro. Por telefone, ela disse ao G1 que não ia compactuar com uma coisas que Mãe Stella não queria.
“Diante do que fizeram com o corpo de Mãe Stella, com o pedido que ela fez [de ser enterrada em Nazaré], eu ia compactuar com isso? Por que fizeram aquilo [transferir o corpo]? Qual lei permite isso? Eu sou a esposa dela, com as procurações todas na minha mão, com os áudios e vídeos dela dizendo que queria ser enterrada aqui [Nazaré], e não fui ouvida”, disse.
Com a morte da ialorixá, o terreiro passará por uma série de ritos, como o Axexê. Segundo Urandir Vasconcelos, sobrinho de santo de Mãe Stella, o ritual marca a passagem da terra para o céu.
[O axexê] começa hoje e segue por mais sete dias seguidos. O axexê é a passagem da terra para o céu, para se encontrar com Olorum. É um ritual feito para que a passagem seja de forma tranquila e digna”, afirmou Urandir.
“Os iniciados do mistério nunca morrem. Por ela ser ialorixá, a matriarca do terreiro, durante a próxima semana serão feitas obrigações, quando o nome dela será invocado novamente à terra para receber as obrigações”, completou Diego Oliveira, filho de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.
Mãe Stella morreu aos 93 anos, na quinta-feira (27), no Hospital INCAR, em Santo Antônio de Jesus, também no recôncavo da Bahia, onde estava internada desde o dia 14 de dezembro, quando deu entrada com uma infecção.
Desde 2017, Mãe Stella morava na cidade de Nazaré, que fica a cerca de 210km de Salvador. Ela se mudou de Salvador para lá por conta do desentendimento entre os filhos de santo e a companheira dela, Graziela.
Com a morte da ialorixá, o terreiro Ilê Axé Opó Afonjá ficará fechado por um ano, de luto. Neste período, não haverá cultos nem festividades, segundo o que determina a tradição do candomblé sempre que morre uma ialorixá ou um babalorixá.
Só no fim de 2019 que o terreiro terá nova ialorixá. A substituição será determinada pelos orixás, com jogo de búzios. A liderança é dada a uma mulher porque o Ilê Axé Opó Afonjá é uma casa de tradição feminina.
Mãe Stella nasceu no dia 2 de maio de 1925, em Salvador. Foi a quarta filha de Esmeraldo Antigno dos Santos e Thomázia de Azevedo Santos.
Aos 13 anos, foi levada pela tia, que a criava, para o terreiro de mãe Aninha, a fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá. Um ano depois, foi iniciada no candomblé. Na juventude, sempre gostou de ler. Formou-se enfermeira, profissão que exerceu durante 30 anos. Em 1976, aos 51 anos de idade, foi escolhida pelos orixás para ser a nova líder do terreiro de São Gonçalo do Retiro. Mãe Stella foi a quinta ialorixá a comandar o Ilê Axé Opó Afonjá.
Em 1999, Mãe Stella conseguiu que o terreiro fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em 2005, recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Quatro anos depois, recebeu o mesmo título pela Universidade do Estado da Bahia. Além disso, Mãe Stella foi agraciada com a Comenda Maria Quitéria, da Prefeitura de Salvador, com a Ordem do Cavaleiro, do Governo do Estado, e a Ordem do Mérito, do Ministério da Cultura.
Estudiosa e divulgadora da crença religiosa africana, Mãe Stella foi a primeira ialorixá no Brasil a escrever livros e artigos sobre o candomblé. Em 2013, foi eleita por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia, ocupando a cadeira de número 33 cujo patrono é o poeta Castro Alves.
A líder religiosa, cultural e social do seu povo sempre condenou o sincretismo religioso. Para a mãe de santo Stella de Oxóssi, candomblé é candomblé, e catolicismo é catolicismo. Não concordava com a fusão entre santos e orixás.
Sempre preocupada em garantir a preservação da cultura negra, Mãe Stella participava de conferências e dava palestras. No Ilê Axé Opô Afonjá, montou o primeiro museu aberto em uma casa de candomblé, onde podem ser vistas as roupas e os objetos usados pelas mães de santo da casa e pelos orixás.
O livro “Mãe Stella de Oxóssi – Estrela nossa, a mais singela!”, obra organizada pelo escritor Marcos Santana, conta a história de vida da ialorixá com poesias, depoimentos, resenhas e análises de algumas de suas produções intelectuais. A obra foi lançada em 2014, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.
O livro é uma coletânea que reúne resgate histórico e cultural, com textos de diversos autores, como: Edivaldo Boaventura, Muniz Sodré, Antonio Olinto, Jorge Amado, Fernando Coelho, Padre Arnaldo Lima, Dorival Caymmi, Jorge Portugal, Menininha dos Gantois, Detinha de Xangô, Marcos Santana e da própria Mãe Stella.
Em 2014, Mãe Stella também foi homenageada da Flica, festa literária que é realizada todos os anos na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Na mesma época, criou a biblioteca itinerante adaptando um ônibus para levar a qualquer lugar livros que abordam curiosidades sobre todas as religiões. Pregava um respeito mútuo e uma convivência pacífica entre todas as crenças para que as pessoas se aproximassem pela fé.
Mais do que uma sacerdotisa de um dos mais importantes terreiros de candomblé do país, Mãe Stella de Oxóssi foi uma militante do resgate cultural de um povo.