Na Geral, por Fernanda Pompeu

Não sei quantos serão os legados da Copa no Brasil, o futuro apontará. Mais um deles já merece nossos aplausos. Trata-se do ressurgimento, talvez melhor dizer atualização, da prosa esportiva de Nelson Rodrigues (1912-1980). Ele, escritor multirrecursos, fez furor na dramaturgia brasileira comVestido de NoivaÁlbum de FamíliaToda Nudez será Castigada, entre outras peças que escandalizaram e inovaram. Também foi um prosador maiúsculo e intenso. A série A vida como ela é – crônicas publicadas no jornal carioca Última Hora – com suas narrativas de adultérios, suicídios, desejos incandescentes conquistou uma legião de leitores.

Tão saborosos quanto o dramaturgo e o observador da alma humana, é o Nelson Rodrigues cronista esportivo. Fluminense fanático e irmão de Mário Filho, autor do clássico O Negro no Futebol Brasileiro. Os Rodrigues traziam o futebol no sangue e sabiam que, no Brasil, a pelota é mais cultura do que simples jogo. Em uma de suas crônicas, Nelson nos conta do Ceguinho. Um sujeito pobre e cego que ia ver o Fluminense jogar. Alguém indaga como um ceguinho pode enxergar. Ao que Nelson responde: “Há uma ótica do amor. Não existe nada mais límpido do que a visão de um sentimento.”

Pois ao ler sobre o Ceguinho lembrei do Maracanã dos anos 1960. Estádio que frequentei ora com meu pai, ora com meu tio. Este último flamenguista fanático, foi cremado junto com a bandeira rubro-negra. Para meus olhos de garotinha, o grande barato do Maraca aos domingos era observar a Geral (espaço onde o público ficava de pé e portanto pagava menos do que nós, os da arquibancada). Pois a Geral enchia meus olhos e fabulações com sua comunidade de tortos. Lá se concentravam os mais desdentados, descamisados, desenfreados. O povo! Isto é, o outro. Sempre os mais ferrados.

Atualizando Nelson Rodrigues na Copa de 2014. O que será que ele escreveria sobre os tipos que puderam comprar os ingressos para assistir ao maior espetáculo da Terra? Certamente não tem o Ceguinho e muito menos os habituês da Geral. Antes que me apontem o dedo dizendo que estou difamando a elite branca, aviso que não quero mal a ninguém. Apenas constato o que vejo pela TV: maioria de branquinhos, todos com dentes, agasalhados adequadamente. É claro que eu pergunto: Cadê o povo? Ou será que o povo mudou?

Imagem: Régine Ferrandis

+ sobre o tema

Brasil flagra mais de 1,6 mil escravizados em 2024, do Rock in Rio à BYD

O Brasil encontrou, pelo menos, 1.684 trabalhadores em condições...

Estudo mostra que Bolsa Família reduziu mortes por tuberculose

O programa federal de transferência de renda Bolsa Família...

‘Papai, o que vai acontecer com a gente quando Trump começar seu governo?’

Era ainda cedo e praticamente escuro. Eu e meus...

Tapa na cara

Começar o ano ouvindo um prefeito reeleito democraticamente fazer...

para lembrar

O Centenário Alviverde

Completa hoje 100 anos de história o Palmeiras, equipe...

Questão Pública: qual é a sua?

O site Questão Pública é uma experiência interessante...

Manual do bom conservador

Por: MARCELO COELHO COMECEI depressa a ler o livro,...

AfroReggae: Policiais suspeitam de elo entre assassinos e PMs

Policiais ouvidos pela Folha avaliaram que há indícios de...

Trump não convidar Lula é o novo penduricalho da extrema direita brasileira

O dia da posse de Donald Trump se aproxima, será em 20 de janeiro, e o universo bolsonarista tenta transformar o fato de Lula...

Abraço à democracia marcará dois anos da tentativa de golpe

Na próxima quarta-feira (8), a tentativa de golpe contra a democracia no Brasil completa dois anos. A memória dos atos de ataque à soberania...

Sob Lula 3, Brasil volta a ser um país de classe média

O Brasil voltou a ser um país majoritariamente de classe média em 2024. É o que aponta um levantamento feito pela Tendência Consultoria e...
-+=