“Uma civilização que se mostra incapaz de resolver os problemas que seu funcionamento provoca é uma civilização decadente. Uma civilização que opta por fechar os olhos para seus problemas mais cruciais é uma civilização doente.” A fala de Aimé Césaire no livro “Discurso de sobre o colonialismo”, propõe uma profunda reflexão sobre o modo como o chamado “racismo à brasileira” tem se engendrado historicamente.
Contudo, proponho levantar uma discussão sobre as bases constituintes do pensamento racista no brasil, considerando as determinações sócio-históricas que produzem os mecanismos simbólicos por meio dos quais são mediadas as relações sociais que criam o lugar de opressão ao povo negro.
Em primeiro lugar é preciso destacar que mulheres e homens são seres sociais constituídos histórica e culturalmente no instante em que constroem suas condições de existência. Logo, é possível afirmar que a consciência humana é uma instancia do ser que embora materializada no âmbito da interioridade, se produz mediante determinações da realidade objetiva ao mesmo tempo em que retorna à concretude desse real por meio da ação humana no mundo.
Se a consciência é uma produção histórica e cultural, as relações concretas do conjunto dos homens de uma sociedade são orientadas pelas realidades objetiva e subjetiva, numa oposição dialética de mútua constituição. Essas relações se materializam tanto na ação do homem para com a natureza quanto do homem em sua dimensão interpessoal e intrapessoal. Isto nos leva a refletir sobre a natureza social das relações humanas em oposição a um pensamento essencialista ou naturalizante que aparta tais relações de suas condicionantes históricas.
Logo, sendo a consciência uma produção social que baliza as relações humanas, é possível constatar que as subjetividades podem ser construídas enquanto resultantes dessas relações que são engendradas mediante conflitos, disputas e embates por interesses hegemônicos.
A mentalidade escravocrata, por exemplo, atendeu a uma proposta de dominação eurocêntrica que visava a construção e a consolidação de um poder que subjugava um determinado grupo humano. Podemos destacar as ideologias como elementos centrais no processo de mediação e constituição dessa consciência. Entendemos aqui como ideologia os construtos sociais que fabricam imagens distorcidas do real para ocultar realidades. Em outras palavras, ideologias são mecanismos de ocultação da própria realidade.
O processo de escravidão que “diasporizou¹” e dizimou milhões de pessoas, sobretudo do continente africano, teve como sustentáculo a ideologia da desumanização. A produção de seres humanos desumanizados, desalmados, autoriza a subjugação e a exploração sem que se ponha em dúvidas uma ética que atende o homem em sua genericidade.
Isto posto, e possível apontar que, se a consciência racista é uma produção social que se constrói em um dado momento histórico e que orienta a ação humana, não seria possível combater o racismo sem a produção de uma mentalidade antirracista. Ou seja, é urgente a construção de uma nova consciência revolucionária, intolerante a todas as formas de opressão.
Essa consciência não será dada ou presenteada, mas o produto de uma ação intencional que, no campo de disputa, se propõe a construir um modo de sociabilidade mais equânime, que admita o longo passado de opressão, mas que, sobretudo reconheça o potencial humano de sujeito histórico capaz de produzir, reescrever e recontar um modelo de relação social que entenda a diversidade humana como fator de complementaridade e não de inferioridade.
¹ Compreende-se por processo diaspórico a comercialização de milhões de pessoas oriundas do continente africano espalhadas por diversos lugares do mundo, sobretudo àqueles em que se estalaram a atividade colonial, sob o comando das metrópoles com fins exploratórios e comerciais. Sabe-se que dos 12 milhões de pessoas escravizadas foram espalhadas por todo o mundo. De acordo com o site Slave Voyages (viagens escravas), estão catalogadas 29 mil travessias transatlânticas, que carregaram 9 milhões de escravizados para o Brasil.