A escritora Chimamanda Ngozi Adichie com seu livro “Americanah” Neil Hall – 4.jun.2014/Reuters
Mais de uma década atrás, quando a jovem escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie estava tendo dificuldade em publicar seu primeiro romance, “Hibisco Roxo”, um agente lhe disse que as coisas seriam mais fáceis “se você fosse indiana”, porque os autores indianos estavam em voga. Outro sugeriu ambientar a história na América, em lugar da Nigéria. Adichie diz que não interpretou as sugestões como comentários sobre seu trabalho, mas sobre a timidez do mundo editorial quando se trata de escritores e culturas pouco conhecidos, especialmente os africanos.
Hoje em dia ela não receberia esse tipo de conselho. Escritores literários negros com raízes africanas (embora alguns tenham crescido fora da África), em sua maioria autores jovens e cosmopolitas que escrevem em inglês, estão ganhando destaque no mundo dos livros, especialmente nos Estados Unidos. Eles figuram em listas dos mais vendidos, são temas de resenhas destacadas e recebem prêmios importantes nos EUA e Reino Unido. Adichie, 36, autora de “Americanah”, que recebeu o prêmio de ficção do National Book Critics Circle (Círculo Nacional de Críticos de Livros) este ano, é participante destacada de um grupo em expansão que inclui Dinaw Mengestu, Helen Oyeyemi, NoViolet Bulawayo, Teju Cole, Yvonne Adhiambo Owuor e Taiye Selasi, entre outros.
Escritores, editores e estudiosos de literatura dizem que a boa recepção crítica atual a esses autores tem suas razões. Após anos de turbulência política e social, as mudanças positivas efetuadas em vários países africanos estão ajudando a ampliar em muito o número de autores e leitores. Prêmios literários mais novos, como o Prêmio Caine para Escrita Africana, têm ajudado, assim como as mídias sociais, a internet e os melhores programas de mestrado em Belas Artes, com programas de escrita criativa. No Workshop de Escritores do Iowa, mais de 10% dos alunos de ficção a partir do próximo setembro serão escritores negros com raízes africanas recentes. E o número de imigrantes africanos nos Estados Unidos mais que quadruplicou nas duas últimas décadas, chegando a quase 1,7 milhão.
O mundo editorial segue tendências: mulheres, escritores asiático-americanos, indianos e latinos todos foram “descobertos” e tiveram seus momentos ao sol –assim como os afro-americanos, alguns dos quais invejam a atenção que está sendo dada hoje aos escritores com vínculos mais recentes com a África.
“Antigamente as pessoas perguntavam onde estavam os escritores africanos”, disse Aminatta Forna, autora de “The Hired Man” (2013, ambientado na Croácia). “Estavam trabalhando como faxineiros e balconistas.”
Alguns escritores e críticos ironizam a ideia de se juntar num mesmo saco autores diversos com vínculos com um continente diverso. Mas outros dizem que essa onda representa algo novo por sua simples dimensão, após um longo período de seca. (Houve algumas exceções notáveis, como o Nobel de Literatura dado a Wole Soyinka em 1986 e o Prêmio Booker de 1991 recebido por Ben Okri.) E a tendência atual se distingue da onda pós-colonial, que teve início por volta dos anos 1960 e levou ao reconhecimento internacional escritores como Chinua Achebe e Nuruddin Farah, entre outros.
Há mais mulheres no grupo atual, para começar. Mais importante que isso é o fato de que as histórias relatadas, embora às vezes aconteçam na África, com frequência refletem a experiência dos autores de viver, estudar ou trabalhar em outras partes do mundo, sendo pontilhadas por referências culturais e lugares com os quais o público ocidental está familiarizado.
“Americanah”, de Adichie, narra a vida de Ifemelu e seu amante, Obinze, cujas aventuras os levam da Nigéria para a América e então para o Reino Unido. Nos Estados Unidos, Ifemelu escreve um blog muito lido sobre sua consciência racial crescente e encontra o amor com homens americanos, negros e brancos. Na Nigéria, suas amigas usam a palavra “Americanah” para ironizar suas atitudes americanizadas.
Adichie, que divide seu tempo entre os EUA e a Nigéria e comanda um workshop de redação em Lagos, já publicou três romances e um livro de contos, todos bem recebidos. Ela acumula prêmios, e este ano será lançada uma adaptação para o cinema de seu romance “Meio Sol Amarelo”, sobre a guerra do Biafra. Ela chegou a figurar numa canção de Beyoncé: “Flawless”, lançada em dezembro, sampleou vários versos sobre feminismo de uma palestra pública dada por Adichie.
O sucesso de “Meio Sol Amarelo” (2006), depois da adesão crítica a “Hibisco Roxo” (2003), contribuiu decisivamente para levar editoras a sair à procura de outros escritores africanos de talento.
A explosão de novos autores africanos é “um fenômeno assombroso”, segundo Manthia Diawara, professor de literatura comparativa e cinema na New York University. “É uma literatura que fala mais sobre ser cidadão do mundo –voltar à Europa, voltar a Lagos. Agora estamos falando de como o Ocidente se relaciona com a África, e isso liberta os escritores para criarem seus próprios mundos. Eles possuem várias identidades e falam várias línguas.”
Apesar de todos os temas diferentes e os tipos distintos de escrita, contudo, o romancista Dinaw Mengestu disse que enxerga um fio condutor. “Há uma investigação sobre o que acontece com a alma deslocada”, falou Mengestu, 36 anos, autor de “All Our Names” e ganhador do prêmio “gênio” MacArthur. Ele nasceu na Etiópia, mas deixou o país aos 2 anos de idade e cresceu no Illinois.
O romancista Okey Ndibe, 54, comentou: “Meus reflexos são moldados principalmente pela vida na Nigéria, mas tantos de meus aspectos seguem o modo americano”. Seu segundo romance, “Foreign Gods, Inc.”, trata de um nigeriano altamente instruído que vive em Nova York e ganha a vida como taxista. Ndibe, que chegou aos Estados Unidos em 1988, disse que, sendo alguém que veio de um lugar onde ser negro era a norma, ele ficou fascinado com a experiência dos negros americanos. “A vida de meu protagonista na América é tão importante quanto sua vida na Nigéria, se não mais.”
Jonathan Galassi, presidente e publisher da Farrar, Straus and Giroux, concordou que “há um internacionalismo novo, consciente de si mesmo” e um “interesse muito mais receptivo” nos EUA, também. Para ele, as coisas foram muito mais difíceis para gerações anteriores.
Mesmo assim, penetrar em um mercado novo não é fácil para todos. Alguns profissionais do mundo dos livros dizem que muitos editores literários prefeririam publicar trabalhos de autores da África a textos de afro-americanos, porque, no clima atual, os africanos são vistos como mais atraentes para ocupar algo que é visto como um “nicho negro”.
A jovem escritora afro-americana Marita Golden, fundadora da Hurston/Wright Foundation, que apoia escritores negros em todo o mundo, reconheceu que esses sentimentos existem, mas discorda deles.
“Os escritores negros operam dentro de uma esfera pequena, culturalmente definida”, explicou. “Esse espaço não é definido por nós; por isso, com qualquer mudança nele, as pessoas podem sentir-se vitimadas, sentir que perderam ou que estão sofrendo um déficit.”
Adichie disse que também compreende esses sentimentos. “Nos Estados Unidos, ser uma pessoa negra que não é afro-americana é visto, em certos círculos, como ser ‘o negro bom’. Ou então as pessoas dizem: ‘Você é africana, então não é revoltada’. Ou ‘você é africana, então não tem aqueles problemas todos’.”
As editoras tendem a discordar da ideia de que os escritores afro-americanos estejam sendo relegados a um segundo plano. “Isso é pura bobagem”, reagiu Robin Desser, vice-presidente e diretora editorial da Alfred A. Knopf e editora de Adichie. “Quando a próxima Toni Morrison chegar, posso garantir que as editoras vão enlouquecer.”
Em vista dos avanços que já fizeram e das novas raízes que plantaram, os escritores africanos dizem que já provaram que são muito mais que uma mera tendência.
“Minha esperança é que todos nos tornemos parte de um cânone, não apenas aqui, mas internacionalmente”, falou Ishmael Beah, 33, que vive nos Estados Unidos. Seu livro de memórias “Muito Longe de Casa”, de 2007, sobre a guerra civil em Serra Leoa, foi best-seller. Seu romance “Radiance of Tomorrow”, sobre o que se seguiu ao conflito, saiu este ano.
“Todos nós temos muito a dizer”, ele prosseguiu, “e sabemos que precisamos falar por nós mesmos sobre a diversidade, as dificuldades e a beleza deste continente.”
Tradução de CLARA ALLAIN