Menos de 24 horas após exibição de personagem racista, chamado Africano, no programa Pânico, da Rede Bandeirantes, a emissora emite pedido público de desculpas à parcela de sua audiência que respondeu de maneira negativa e veemente ao personagem.
por Cidinha Silva Do DCM
Trata-se de um ator branco usando blackface e roupa de malha preta cobrindo todo o corpo. O personagem emite sons indecifráveis em alto volume, movimenta-se como macaco e bebe água direto da torneira, talvez inspirado pela Chita, macaca de estimação do Tarzan que, nos episódios do seriado matava a sede dessa forma.
Também aproveita para satirizar práticas de limpeza do corpo e da alma com galhos verdes, alguns deles com flores nas pontas, em provável alusão a práticas de origem africana e indígena. O personagem fica na borda de um tacho e isso pode ter duplo sentido. Existe ali dentro um líquido que, por um olhar, pode ser parte do processo de limpeza, uma infusão com essa finalidade, mas, por outro, como se trata de um personagem caricato e visivelmente depreciativo dos povos aos quais ele se liga pelo nome e pelas características físicas, a situação pode também evocar o canibalismo e naquele tacho o personagem poderia ser cozido.
Assim funciona a semiótica, não? Signos que despertam o imaginário coletivo e nos levam a construir sentidos e histórias. As provocações feitas pelo personagem Africano são todas depreciativas, desumanizadas. O que faz o racismo senão destruir a humanidade de quem é por ele alvejado? Sim, porque o racismo tem mira, foco e objetos (determinados seres humanos) a alcançar e destruir.
Na defesa da emissora, o setor de comunicação, não se sabe se por idiotia ou fuga das aulas básicas de Antropologia e História, mistura grupos nacionais e/ou étnicos que o programa também se orgulha de discriminar (mexicanos, chineses e árabes) com grupos alvo de racismo (os negro-africanos e seus descendentes).
Eles querem nos convencer de que não sabem que todas as vezes que surge uma personagem como esta nos programas de entretenimento aos domingos, a segunda-feira das crianças negras na escola será um filme de terror, que se estenderá por semanas, meses e anos, a depender do período de vida do personagem na TV. E os familiares dessas crianças perderão horas, dias, semanas e meses preciosos de educação, lazer e fruição, ensinando-as a reagir, a não sucumbir, a manter a cabeça erguida, a preservar o amor próprio diante de tanta violência direcionada e objetiva.
Os exemplos racistas da TV também inspirarão situações de discriminação racial na escola, minimizadas por professoras e professores cansados e despreparados, para dizer o mínimo. As crianças e adolescentes negros que não tiverem tido as lições de sobrevivência do amor próprio ministradas em casa, se sentirão sozinhos, desamparados e injustiçados.
Um dia perderão a paciência e poderão chegar às vias de fato com colegas racistas, como último recurso de autodefesa. Então serão taxadas de violentas, serão estigmatizadas na escola, perderão o estímulo para permanecer naquele ambiente, evadirão com facilidade e a redução da maioridade penal será apontada como solução para retirá-las mais cedo do convívio social e puni-las por terem reagido, da maneira que lhes foi possível, à opressão racial.
Na sociedade abrangente, não faltarão guardiões do status quo para taxar de sandice e vitimismo a desmistificação da engrenagem de funcionamento do racismo. É o velho artifício da casa grande para manter-se casa grande.
Quem sabe os cruzamentos de informação que Zuckerberg deve oferecer, silenciosamente, aos meios de comunicação, tenham demonstrado a aproximação do público que criticou o personagem no Facebbok e os expectadores do programa Pânico, haja vista que os programadores entraram em pânico e tomaram uma atitude, amedrontados pelo fantasma da queda de audiência.
Resta consultar as tabulações de Zuckerberg para saber qual seria a pedra de toque para abalar e extinguir a personagem Adelaide, da rede concorrente, que há anos presta serviços nefastos no programa Zorra Total.