O cabelo dos meninos pretos – por Cidinha da Silva

Por Cidinha da Silva
Algo de sinistro acontecia com os cabelos daqueles meninos. Eles simplesmente não cresciam mais. Haveria algum parente do nitrato posto no feijão dos encarcerados na comida dos clubes?
Primeiro fora Romarinho, ao transferir-se do Bragantino para o Corinthians. Primeiro mês, segundo, terceiro, e o cabelo não avançava um centímetro. Seis meses e nada, continuava do mesmo tamanho, parecia encolhido, até. Deveria ser o contrário, certo? Não dizem que quando se está triste e deprimido o cabelo cai? O garoto estava feliz, fazendo gols decisivos, tornando-se ídolo da torcida.
Depois fora Cortês, vindo do Nova Iguaçu para o todo poderoso São Paulo, numa decisão do Presidente de trazer para o clube rico, gente que corresse atrás da bola com fome de um prato de feijão. No Olaria, no Bangu, no Nova Iguaçu, times dos subúrbios do Rio, tem muitos meninos com os cabelos estilo Cortês, são uma marca. No Tricolor do Morumbi, o cabelo do menino também parou de crescer, pior, diminuiu a olhos nus.
No quesito diminuição de cabelos, a operação mais drástica dera-se em Wesley, do Palmeiras. Ele que voltara da Europa com tranças longas, densas e brilhantes, que o deixavam com um aspecto Massai, talvez desconhecido, depois de longa contusão voltou à caretice, digo, carequice da época do Santos. É verdade que dizem por aí que o Wesley muda o cabelo e tatua o corpo de acordo com mudanças fundamentais de vida.
Os dois maiores Ronaldos da história do futebol brasileiro fornecem material antagônico para estudo das questões capilares relativas às cadeias de aminoácidos espiraladas. O  Fenômeno, achando-se branco, manteve-se careca durante longos anos, advogando que coisa ruim deveria ser cortada. O Gaúcho, por sua vez, em um dos trotes de boas vindas à Seleção Brasileira teve os cabelos cortados enquanto dormia. Um repórter, percebendo a insatisfação do atacante mágico, perguntou: “então, Ronaldinho, aderiu ao time dos carecas?” Ele, com o jeito tímido que até hoje carrega, porém assertivo, respondeu: “bahhh… foi brincadeira dos caras. Eu não gosto de careca, não. Eu gosto do meu cabelo.”
Tinga, do Cruzeiro, e Roque Júnior, campeão mundial de 2002, já aposentado, são exemplos dissonantes, como Gaúcho. O primeiro tem os dreads mais longos já vistos no futebol brasileiro e mundial. É alvo constante de piadas, descrédito, desrespeito. Tímido e operário em campo, não costuma responder com palavras, apenas mantém a estética.
Roque Júnior tem os dreads mais lindos e bem cuidados do mundo futebolístico. Ninguém tira farinha com ele e com o Primeira Camisa, time de futebol que preside, dá os primeiros passos como gestor moderno, preparado para gerir um time e o pós-carreira com mão firme e consciente do impacto de seus dreadsno mundinho eurocêntrico desse esporte abrilhantado por negros.

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Foto: Roque Júnior

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