O dalai-lama é uma superlua em eclipse total definitivo

Conheci o dalai-lama em 1992, no salão nobre da Prefeitura de São Paulo, convidado da prefeita Luiza Erundina – à época, eu era coordenadora de saúde da Coordenadoria Especial da Mulher da prefeitura, cuja sede era no parque do Ibirapuera.

Por Fatima Oliveira Do O Tempo

Foi uma solenidade encantadora e marcante como só Clara Charf, que chefiava as relações internacionais, é capaz de fazer: uma recepção impecável para um líder religioso e um Prêmio Nobel da Paz (1989).

O dalai-lama exala simpatia, simplicidade e tem uma imponência ímpar e indescritível: olha nos olhos, sorri por inteiro, e a gente se sente especial por estar em sua presença.

Apenas à guisa de breve comparação entre dois chefes de duas diferentes religiões patriarcais. O papa Francisco, que virou xodó de meio mundo e que tenta imitar o carisma do dalai-lama, quando sorri, parece o ser humano terreno que é; já o dalai-lama possui aura divinal que espraia ternura.

Depois de ter recebido um sorriso “olhos nos olhos” naquela tarde em Sampa, busquei conhecê-lo mais. Aprendi que “dalai-lama é o título de uma linhagem de líderes religiosos da escola Gelug do budismo tibetano, tratando-se de um monge e lama, reconhecido por todas as escolas do budismo tibetano”.

E mais: “Tenzin Gyatso, Sua Santidade o 14º dalai-lama, nasceu em 6 de julho de 1935, numa família de camponeses da pequena vila de Taktser, na província de Amdo, nordeste do Tibete. Seu nome era Lhamo Dhondup até quando, aos 2 anos, Sua Santidade foi reconhecida como sendo a reencarnação de seu predecessor, o 13º dalai-lama, Thubten Gyatso. Os dalai-lamas são tidos como manifestações de avalokiteshvara ou chenrezig, o bodhisattva da compaixão e patrono do Tibete. Um bodhisattva é um ser iluminado que adiou sua entrada no nirvana e escolheu renascer para servir à humanidade” (resenha de “A Arte da Felicidade”, por Bruna Heloísa).

Anos depois, ganhei o livro “A Arte da Felicidade – Um Manual para a Vida/Um Guia para a Vida”, do dalai-lama em co-autoria com o psiquiatra norte-americano Howard C. Cutler, reconhecido como autoridade mundial em estudos da felicidade. Trata-se de uma longa entrevista e observação do cotidiano do dalai-lama.

É uma obra densa e de difícil leitura, que reli várias vezes para entender a ética budista do não julgamento. Em vão. Hoje, considero o dalai-lama um filósofo charmoso. Quando ganhei o livro, já sabia bastante sobre a vida dele, mais do que o suficiente para não cair mais em seus encantos de frases de efeito. É um anticomunista militante 24 horas por dia!

Para quem não está se lembrando, ele encarna o Tibete, para alguns, independente até 1959, quando foi anexado à China pelo líder comunista Mao Tse-Tung. Todavia, desde o século XVII é território chinês! O dalai-lama se exilou na Índia, onde vive desde 1959, e tem o Tibete livre como a sua principal causa política, com apoio incondicional dos Estados Unidos, que, como muitos afirmam, bancam suas despesas, públicas e clandestinas!

De modo que, embora saiba que o dalai-lama já tenha alardeado para os quatro costados do mundo que é feminista, não recebi com surpresa a declaração sem noção e machista dele no festival de música de Glastonbury, na Inglaterra, em junho passado, quando questionado se sua sucessora poderia ser uma mulher. Respondeu: “Há muitos problemas no mundo de hoje – é um mundo problemático. Penso que as mulheres devem assumir um papel mais importante. Se vier um dalai-lama mulher, seu rosto deveria ser muito atraente, senão não seria de muito uso”. Quer dizer: um biscuit! Sem mais palavras…

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