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De há algum tempo que os estudos sobre Amílcar Cabral procuram novos ângulos para a compreensão da sua complexa figura e que não se resume ao líder dos movimentos de libertação anticolonial da Guiné-Bissau e Cabo Verde. À sua figura histórica, inscrita nos estudos pós-coloniais como referencia obrigatória, acresce um novo desafio de conhecimento paralelo e correlato de uma biografia ainda por conhecer, cujas diversas facetas, muitas delas existenciais e algumas privadas, subsidiarão novas buscas e outros encontros com as verdades históricas. Recentemente, foi-nos dado explorar a figura diplomática de Cabral, em desafio à gramática da Guerra-Fria, e a sua figura de literato, muito para além de algumas dezenas de poemas que terá deixado. O seu legado literário, diante dos novos dados, é também consistente na prosa criativa, especialmente aquela de cariz epistolográfico.
Por FILINTO ELÍSIO, do DNotícias
O livro 33, da Rosa de Porcelana Editora, Itinerários de Amílcar Cabral, organizado por Ana Maria Cabral, Filinto Elísio e Márcia Souto, foi apresentado na Cidade do Vaticano, no passado dia 1 de julho, em celebração do 48º aniversário da Conferência de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas e da Audiência do Papa Paulo VI a Amílcar Cabral, António Agostinho Neto e Marcelino dos Santos.
A recepção do livro em Roma, em Florença e em Pavia, onde nos foi possível disseminá-lo, reforçou-nos duas assertivas: a que tudo de e sobre Amílcar Cabral tem cabimento editorial e que há uma percepção de que o seu legado prático e teórico, material e imaterial, contribui para a humanização do mundo, ainda hoje 45 anos depois do seu desaparecimento físico.
Amilcar Cabral foi um intelectual de enorme lastro, um dos grande pensadores africanos do século XX, que se impôs como um dos líderes mais bem sucedidos na luta anticolonial e pelo seu pensamento estruturado (e estruturante) sobre o humanismo, a cultura e o papel das elites. Tentar compreendê-lo desafia a atar todos elos o que a ele se vinculam tanto do ponto de vista histórico como existencial; requer, à luz da crítica genética como já nos sugeriu o historiador António Correia e Silva, a procura da crítica da razão biográfica, na linha descrita pelo pensador francês Pierre Bourdieu. Este utilizava a metáfora do trajeto do metro para descrever o desafio da biografia, que pressupõe o conhecimento da estrutura da rede e as conexões entre suas diferentes estações. Conhecê-lo verdadeiramente, implica ter em conta, não apenas a sua obra édita e aquela já significativa sobre a sua figura histórica, nem o revisitar apenas na perspetiva dos estudos pós coloniais para a construção de uma linha hermenêutica, mas também vasculhar muitos outros materiais, tais como correspondência ativa e passiva, ainda inédita, recortes, notas, diários, fotos e postais, diplomas e certificados, documentos que possam servir de fonte informação adicional sobre a sua história de vida.
As biografias são histórias de vida e, por conseguinte, rapsódias heterogéneas a serem perspetivadas por várias abordagens. E é na diversidade de abordagens que se infere o melhor de Amílcar Cabral, aquele que certas razões da política não quiseram antes iluminar.