Você se diz meu aliado,
Mas poucas foram as vezes que te senti ao meu lado
Para além da superficialidade de estar na mesa do bar ou ser seu subalterno no ganho de meu ordenado,
nunca se colocou ao meu lado.
Por Jair da Costa Junior (Jah), Enviado para o Portal Geledés
Me aceita e até me convida para um samba, um baile funk ou congado
Afinal, precisa parecer familiar ao ter um preto do seu lado.
Mas nunca me convidou para os clubes, parques e tardes de jazz em outros gramados
Lá onde estão as pessoas com quem cola, como se fossem mundos apartados.
Segregação, essa é a palavra.
Seja ela objetiva, subjetiva ou literal, é ela que te graça
Que te tira a graça quando me avista sem avisar
E te coloca a iminência de um simples saudar, mesmo que por farsa.
O que nos separa nunca foi a classe, e sim a raça.
Você se diz meu aliado,
Mas cultiva seu racismo como fato inalheável
Uma herança, uma força maior que qualquer crença, inarredável.
Você se diz meu aliado,
mas seleciona minha presença e minha ausência,
Minha presença, nunca em sua residência.
Como diz Ricardo Aleixo,
“eu conheço vocês pelo cheiro e por seu amor pelo dinheiro”,
Mas é de cair o queixo, sua aversão explicitamente velada pelo povo preto.
Eu conheço você pelo cheiro, e por isso sei que é a cor da sua pele que te assegura o lugar de privilégio,
Eu conheço bem esse papo, de que você não tem culpa do passado
E não é disso que estou falando,
E sim do comodismo que é colher os dividendos desse legado.
É seu racismo que o mantem no cativeiro
Que te mantem limitado acreditando ser dono do mundo inteiro
Quando tudo não passa de ilusão e nossas diferenças se dissipam nas fronteiras da opressão.
Seu discurso de igualdade e liberdade nunca nos contemplou
Ele apenas lhe garante,
Assim como garantiu aos seus antepassados na jornada colonial,
Os lucros que sustentam os seus privilégios em pleno século XXI
Para você achar que preto, com baixa escolaridade, pobre e morto seja uma condição racial
um legado cultural, normal ou natural.
Você se diz meu aliado,
Mas assim como seus antepassados,
Que apesar de discursar contra a escravidão mantinham pessoas escravizadas
Tirando-lhes não somente a liberdade e se apropriando do lucro de suas capacidades
Mas, sobretudo, expropriando-as de sua identidade.
Você se diz meu aliado,
Mas nunca te vi na quebrada botando a cara na frente da polícia racista quando mais um moleque de 10 anos saindo da escola é abordado e violentado, e se pá, assassinado.
Você se diz meu aliado, mas nunca te vi comprar a bronca com um branco diante de postura racista ou machista
A condescendência é como um cajado.
Você se diz meu aliado,
Mas seu discurso de esquerda é similar às retoricas benevolentes e condescendentes dos jesuítas
Que apoiados na fé cristã justificavam todos os atos genocidas.
Você se diz meu aliado,
Mas que dia você foi na favela para me visitar e tomar um suco gelado?
Mas sempre foi para pegar cocaína e baseado.
Até descobrir que é o pai de seu amigo,
político e empresário abonado,
quem fornece para quebrada e traz de helicóptero carregado.
Vive discursando que na favela pode ser baleado,
Mas sabe o pai do seu amigo,
o político e empresário abonado?
desse ramo é ele também o principal beneficiado.
Talvez você até mesmo fosse meu namorado,
Enquanto eu seria a aproveitadora, você seria menos preconceituoso e até descolado
Me chamaria de morena, para não admitir a preta ao seu lado
Novamente você me usando para agregar valor à sua imagem e ser diferenciado
Quando ser diferenciado positivamente é mais uma faceta do privilégio branco garantido secularmente.
Você se diz meu aliado,
mas nunca te vi para além de seu próprio lado
Por seu amor pelo dinheiro e a manutenção do lugar de privilegiado.
Por seu racismo naturalizado, e seu discurso incoerente de engajado.
Você se diz meu aliado,
Mas ainda sim me olha de cima para baixo
Pois seu maior medo é admitir que uma estrutura racista e sexista te garantiu o que a mim tem sido negado.
Você se diz meu aliado,
Mas à medida que contamos e refazemos nossa história seu discurso do mérito é soterrado
E mesmo que não queira, seu olhar terá de ser alterado
Mas enquanto houver racismo, não adianta simplesmente dizer que somos aliados.
O privilégio tende a somente se coadunar ao próprio privilégio. Seja para sua manutenção ou ampliação, mas sempre se reinventando visando sua eternização.
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