O Rio de janeiro continua… segregacionista

O samba de Gilberto Gil, intitulado de “Aquele abraço” não tem o mesmo teor desse texto, e certamente não é para ter, dado a diferença dos propósitos. Na música, Gil conta sobre uma característica muito clara do povo carioca, mas eu faço ao leitor duas perguntas: Que característica é essa?  Que povo é esse? Bom, como isso aqui não é uma conversa direta, onde o agente expositor faz uma pergunta e o agente receptor responde, cabe a mim responder a minha própria pergunta. 

O Rio de Janeiro cantado por Gil, comunicativo e receptivo, é característico da classe popular da cidade. Aquela classe que não detém muitos privilégios e que enfrenta todos os dias a violação dos seus direitos mais básicos. Não digo aqui que outras classes não possam ser receptivas, mas destaco que o senso de comunidade precisou ser praticamente institucionalizado na classe popular. Com isso, percebo que personalidades comunicativas e receptivas são características moldadas desde muito cedo no chamado “povão”,  dada a necessidade de cooperação entre as pessoas de um determinado local para ultrapassar as barreiras impostas pelo segregacionismo estrutural da cidade do Rio de Janeiro. Por aqui, pais e mães, segregados pelo sistema, precisam acordar de madrugada , para encarar o trânsito e o longo trajeto para o trabalho, enquanto as crianças precisam conhecer desde cedo o motorista do ônibus que ela precisava pegar, assim como quem divide com elas o ponto de ônibus. Conhecendo as pessoas ali envolvidas no trajeto, chegar à escola torna-se uma vivência um pouco menos difícil.

Percebe-se que o segregacionismo na cidade do Rio é profundo, não à toa o chamei anteriormente de “estrutural”. Quando os não-brancos puderam trabalhar e serem pagos por isso,  foram impossibilitados de permanecer em espaços urbanos e usufruir de condições básicas de sobrevivência. À nós, restou a periferia. Com isso, posso afirmar que dignidade, respeito e direitos tinham cor, gênero e poder aquisitivo.O povo preto não podia ter terra, logo não tinha casa. Só ganhava boa remuneração quem tinha o privilégio de ter tempo para estudar, já que a comunidade preta tinha que trabalhar exaustivamente para sobreviver, então estudar ficava para depois. Poucos de nós puderam estudar e mesmo assim encararam as barreiras impostas pelo racismo. 

A realidade continua a mesma, porém com alguns retoques de modernidade. De fato, nos dias de hoje, a periferia pode estudar. Mas a estrutura faz com que essa opção promova os mesmos resultados de antigamente. Por mais que hoje o Estado forneça serviços a precariedade desestimula e obriga  a classe necessitada a ir buscar uma fonte exaustiva de dinheiro que dê a ela sobrevivência porque a necessidade é diária e não há tempo e base o suficiente para que essas pessoas possam ter a tranquilidade de investir no futuro. Essa é matriz do segregacionismo Carioca: A sistemática violência de impedir que a classe preta e pobre pense no futuro. 

Peço desculpas a Gil. O Rio de Janeiro pode até continuar lindo, mas ele também continua segregacionista, racista, machista e insustentável.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

+ sobre o tema

“Avatar” acusado de racismo

Uma «fábula messiânica branca» ou «uma fantasia racial por...

Corregedoria isenta policiais envolvidos em ação em Paraisópolis

Inquérito da corporação considera que 31 policiais agiram em...

Política, imaginário e representação: uma nova agenda para o século XXI?

“O fato é que, enquanto mulher negra, sentimos a...

para lembrar

Racismo e agressão a negros em SP

Cinco jovens foram presos pela Polícia Civil em São...

2015 – Estudantes, estrangeiros e religiosos estão entre as vítimas de racismo

Frases de Emicida e Dunga evidenciam violências concretas e...

Racismo no Carrefour: ‘Negra desgraçada, eu vou quebrar a sua cara!’

Enfermeira afirma ter sofrido ofensas raciais depois de tentar...
spot_imgspot_img

Senado aprova aumentar para 30% percentual de cotas no serviço público

O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (7) um projeto que amplia de 20% para 30% o percentual de cotas para pessoas negras em concursos públicos do...

A agenda ambiental e o homem branco sem identidade

São apenas quatro meses de 2025, parece pouco mesmo, mas já vivemos muitos anos em um. O Brasil na sua imensa complexidade, dessas que gringo...

É preciso resistir à degradação dos direitos humanos em escala global

O relatório "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo", publicado pela ONG Anistia Internacional no mês passado, apresenta um diagnóstico alarmante —e nada surpreendente— sobre a...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.