O simbolismo da mira na cabeça

Há algo metafórico em destruir o crânio de uma pessoa

Desde o assassinato de Mãe Bernadete Pacífico –coordenadora nacional da articulação de quilombos (Conaq) executada na Bahia há dois meses, no dia 17 de agosto, com mais de uma dezena de tiros na face– volta e meia me pego a pensar no simbolismo embutido em mirar na cabeça.

Em 2017, a ialorixá teve um filho executado com a mesma tática por defender direitos de regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas por 350 famílias descendentes de escravizados que constituem o Quilombo Pitanga dos Palmares, área que entrou na mira da especulação imobiliária.

Bernadete Pacífico era líder quilombola na Bahia e coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) – Conaq/Divulgação

Para além da brutalidade que qualquer violação contra a vida representa, há algo metafórico em destruir o crânio de uma pessoa. A cabeça é nosso guia, uma espécie de bússola que norteia ações de acordo com a vivência, a consciência, a perspicácia e a autocrítica.

Para atribuir concretude ao simbolismo da mira na cabeça, basta lembrar os registros da medicina forense sobre a raridade de casos de pessoas alvejadas nesta área do corpo que sobrevivem. Em outras palavras: além do número de tiros, o local atingido denota a intenção inequívoca de matar. E é um recado acerca do que os criminosos são capazes.

Em yorubá, idioma nativo da África ocidental, a cabeça significa “Ori”. No candomblé e na umbanda, “Ori é um Orixá pessoal, um deus portador da individualidade, que mora dentro da cabeça das pessoas”, explica com propriedade o advogado Hédio Silva Júnior, coordenado-executivo do Idafro. “Esses crimes têm um caráter de aterrorização e de exemplariedade”, comentou ele numa conversa que tivemos.

Como disse a ex-presidente do STF e do CNJ, ministra aposentada Rosa Weber, que se reuniu com a ialorixá um mês antes do crime, Mãe Bernadete é “exemplo candente de que o Estado brasileiro falhou e de que falhamos todos nós, cotidianamente, na defesa da vida, da integridade, dos valores e dos direitos da população negra, em nosso país”.

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