A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional conceitua “grupo criminoso organizado” como o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves para obter um benefício econômico ou outro benefício material.
Precisamos acrescentar a esse conceito que, no Brasil, se o crime ocorre nos “palácios” e se os infratores não são pobres nem negros, a organização não é tachada de “criminosa”.
Quando os infratores, já condenados, podem eles mesmos mudar a lei que os criminaliza, se livrar das punições e não devolver centenas de milhões aos cofres públicos, recordo outra característica das organizações criminosas: elas operam no eixo dinheiro-poder, buscam esconder, proteger e limpar o dinheiro, produto de ilícitos, ou seja, praticam, sob outros nomes, a lavagem de dinheiro.
O descumprimento da legislação que destina verbas para candidaturas de mulheres e de pessoas negras tem sido sistemático, como sistemático também tem sido o perdão aos partidos que assim procedem. Parece um pacto não verbalizado entre iguais. Podes fraudar que serás perdoado!
Assim é que, em 2019, o governo federal sancionou a lei 13.831/19, que perdoou os partidos que não aplicaram os recursos do fundo partidário para apoio a mulheres nos exercícios anteriores. Já no ano de 2021, foi a vez de a Câmara aprovar a PEC 18/21, que concedia anistia aos partidos políticos que não cumpriram a obrigação legal de distribuir o financiamento público para candidaturas de mulheres e de pessoas negras.
E agora vem essa PEC (proposta de emenda à Constituição) 9, que objetiva ampliar o período para a aplicação de sanções no caso de descumprimento das regras de destinação de financiamento público para garantir a diversidade de gênero e raça, estendendo a anistia partidária para as eleições de 2022.
Mais conhecida como PEC da Anistia, ou PEC da Vergonha (segundo Frei David), ela pode ser aprovada em breve pela Câmara. No mesmo texto estão incluindo uma redução de mais da metade do dinheiro público (50%) que negros deveriam receber.
Segundo informação da Rede Brasil Atual, juntos, Câmara e Senado têm uma bancada empresarial cinco vezes maior que a trabalhista. Lembrando ainda que são bancadas majoritariamente masculinas e brancas.
Reportagem de Vinícius Dória, no Correio Braziliense, intitulada “Congresso é um espelho distorcido da sociedade“, informa com dados da Metapolítica que as mulheres, mais da metade da população do país, têm sua representação reduzida a menos de 20% da composição do Congresso. Levando em conta o critério da cor, se consideram brancos 70%, e 27% são negros. No caso dos indígenas, são apenas três representantes: dois na Câmara e um no Senado.
Olhando toda a “organização” que vem ocorrendo para que o Parlamento continue do jeito que está, é importante salientar a recorrente dobradinha “onda negra-medo branco”, que se refere ao imaginário da população branca escravocrata, marcado pelo medo de uma insurreição negra, a exemplo do que havia acontecido no Haiti, tal como relata a historiadora Célia Maria Marinho Azevedo em seu livro “Onda Negra Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites – Século 19“.
Evidentemente, no Brasil de hoje, não existe indício de uma insurreição como a haitiana (motivos há), mas há sim um contínuo avanço da população negra na luta contra a opressão, na conquista de direitos, na reparação das grandes desigualdades de que é vítima.
Esse movimento negro em busca de igualdade e equidade é percebido como a nova onda negra que desperta o medo e as reações contrárias de quem se beneficia da hegemonia branca vigente no país.
Esta coluna foi escrita em parceria com o jornalista Flavio Carrança, da Cojira.