Onde estão os negros do Rio Grande do Sul?

A população negra está no Estado desde os primórdios, mas, com o passar do tempo, esta presença foi sendo apagada da “história oficial”. No Dia da Consciência Negra, saiba mais sobre este processo, suas consequências e como modificá-lo

Por Eduardo Amaral, do Correio do Povo

Remoção das famílias na Ilhota. Foto: CP Memória

“Ao longo da minha trajetória, e de boa parte dos negros, a gente nunca se viu de fato representado, nunca teve aquela figura negra. Nos livros de história, monumentos, eu nunca me enxerguei”. Foi assim que pessoas como o jornalista Flávio Bandeira, 34 anos, nascido e criado em Porto Alegre, cresceram, sem ver pessoas como eles na história da sua cidade e estado, e ouvindo durante toda a vida que o papel que lhes cabia estava longe do sucesso profissional e da possibilidade de ocupar cargos de relevância por conta da sua cor de pele, algo que ainda machuca. “O primeiro impacto é vital e norteia nossa vida, nosso dia a dia, que é a autoestima. Não se ver representado em praticamente nada faz ficar pensando ‘poxa, será que nenhum de nós pode chegar lá?’, apesar de alguns terem chegado. Mas daí vem outro questionamento: qual a dificuldade em mostrar que a gente também pode chegar? Qual o medo da sociedade de que algum negro chegue a uma posição de destaque? Isso é uma coisa que eu penso muito todo dia. Vemos que somos praticamente invisíveis na sociedade”, aponta Bandeira.

Essa falta de protagonismo nos livros de história, nos nomes de ruas e monumentos espalhados por Porto Alegre e outras cidades do Estado vai de encontro à realidade dos fatos, já que mesmo negada, a presença negra na história do Rio Grande do Sul é muito forte e foi fundamental para que o Estado chegasse a ser um dos mais importantes do país ainda no tempo do Império – até hoje uma parcela significativa da população gaúcha se autodeclara negra. No Censo de 2010, 1,72 milhão de pessoas se diziam negras, o que representa 16,13% do total da população. Somente em Porto Alegre são 285 mil negros, ou seja, 24,18% dos habitantes. Historiadores relatam que os primeiros africanos a chegar no Estado datam de 1717, tão logo se iniciou a colonização da região, por aqui permaneceram durante todo o período imperial e até hoje se fazem presentes. Mesmo assim, isso não garantiu que seus nomes fossem gravados em placas de bronze, dignos de homenagens nas ruas.

Carlos Santos foi deputado estadual e chegou a assumir o governo do Estado. Foto: CP Memória

Autor do livro “Rastros da Resistência”, no qual narra a história de personagens negros esquecidos pelo tempo, o escritor paulista Alê Santos traça um paralelo entre Brasil e Estados Unidos que se encaixa na relação dos gaúchos com seus personagens negros. “A gente olha muito para os Panteras Negras, Malcolm X, Martin Luther King, a gente não sabe que no Brasil os nossos heróis negros estão vivos: o Hélio Santos, a Sueli Carneiro, o Vovô do Ilê, são pessoas que lutaram na Ditadura contra o racismo e contra a repressão social”, afirma o escritor. O desconhecimento dos heróis negros brasileiros ainda vivos descritos por Santos é semelhante ao que acontece no Estado, onde negros miram Zumbi dos Palmares mas desconhecem a história de Manoel Padeiro, líder quilombola que comandou revoltas contra a escravidão, e como em Pernambuco amealhou uma série de seguidores entre alforriados e fugitivos dos suplícios da escravidão. Historiadores analisam que o desaparecimento das referências não é coincidência, mas parte de um processo de invisibilidade que atravessou os séculos e com um objetivo bem claro: criar a imagem de um “estado diferente”, no qual a miscigenação não teria acontecido como no restante do país

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