Os monstros, para as crianças da Escola municipal Walt Disney, são feitos de carne, osso e chumbo. No Complexo do Alemão, moram na casa ao lado. Às vezes, no cômodo ao lado. São vizinhos, amigos, familiares de meninos e meninas, que sofrem. É que a vida dessas crianças em nada parece os contos de fadas — na favela, os finais felizes são raros. E elas transbordam isso.
Por Bruno Alfano Do Extra
Para de atirar na gente”, pediu um aluno de 7 anos da Walt Disney do Alemão.
O desabafo foi feito em um trabalhinho feito a pedido do EXTRA — que começa hoje uma campanha para dar voz a essas pequenas vítimas invisíveis da violência na cidade. Alunos do 1º e 2º ano da escola em Ramos escreveram cartinhas (que ilustram essa página) sobre o tema “paz”. Mas a violência é mais forte.
Crianças pedem paz no Alemão Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Como na vida de Maria (nome fictício), menininha de 6 anos, bochechas fartas, que quis contar a sua história, mas chorou antes do fim da frase.
— Meu pai tá na cadeia. Ele é bandido. E meu irmão morreu — resume a pequena, emocionada e envergonhada.
Ela sente saudades do pai, acusado de matar um policial. Mas entende o certo e o errado:
— Quero ser médica quando eu crescer. Porque vou poder cuidar de um monte de criança.
Na mesma turma de Maria, está o coleguinha que pediu para parar de atirarem na gente. Sonha em ser PM porque desejar prender os bandidos. Conta que lá onde mora, na Grota, é “um pouquinho legal” porque atiram “na gente”.
Crianças fizeram cartinhas a pedido do Extra Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
— Eu desenhei um coração porque eu quero paz e amor. Eu só vejo violência. Estão atirando muito na gente. E eu fico com medo porque eu quero que não me atirem — pede.
‘Necessidade de falar’
A professora de Maria explica a história da pequena. Ela sempre foi uma ótima aluna. Por isso, era estranho o sumiço da jovem. Quando voltou, contou o drama pelo qual a família passa.
— Ela repete essa história todo dia que vem para a escola. Ela tem uma necessidade imensa de falar. Em casa ela vê o sofrimento e se resguarda. Na escola, onde ela encontra um porto segundo, ela se sente à vontade de falar — conta a professora.
Educar sob essas condições é um desafio permanente, avalia a equipe pedagógica da unidade. Segundo as profissionais, que não serão identificadas na reportagem por segurança, avaliam que o desempenho é afetado por causa do grande número de faltas e do emocional abalado. A escola, portanto vira um refúgio.
— O espaço de belo, de criança, de amizade, de conhecimento, desses valores é a escola. É isso que a gente tenta fazer para combater essa violência de lá fora — conta uma coordenadora.
A Secretaria de Estado de Segurança afirmou que tem como diretrizes “a preservação da vida e o controle da criminalidade”. A pasta afirma que apoiou a criação do Programa de Qualificação e Aperfeiçoamento Profissional da Polícia Militar, que tem por objetivo aumentar a responsabilidade em relação ao uso da força e de armas.
— Eu fiz uma pergunta para os alunos. Quis saber o que eles achavam o que era violência. E eles falaram que é bater, é chutar, é matar, é roubar, é metralhar. Eles já viveram e tiveram contato com isso tudo. Depois eu perguntei quem era o bandido para eles. Mas eu perguntei no seguinte sentido: “bandido é quem faz coisa errada, quem rouba, quem faz alguma coisa”. Isso é o que eu responderia. E eles foram para o lado pessoal. “O bandido é o meu irmão que está preso, é o meu tio”, eles disseram. Eles levaram para a vida dele. O bandido não estava distante. Eu fiquei muito assustada com isso. Era um bandido real, que estava ali. Eram pessoas próximas deles — conta uma professora.