Para Marcia Tiburi, não podemos nos deixar levar pelo ridículo na política

Em novo livro, filosofa investiga por que brasileiros preferem a piada ao lidar com a crise atual

Por Leonardo Cazes Do O Globo

O ridículo está em algum lugar entre o riso e o choro, resumido na expressão “rir para não chorar”. Contudo, na política, o ridículo não tem nada de inocente. Ao contrário, ele interdita a reflexão e impede o debate, e já se transformou em modus operandi de muitos políticos. Essa foi a preocupação que levou a filósofa Marcia Tiburi, autora de “Como conversar com um fascista” (Record), a escrever “Ridículo político: uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto” (Record). Em entrevista ao GLOBO, Marcia explica seu conceito e defende que todos precisam se importar mais com a política. Ela lembra que brigar não é se importar.

O que você queria mostrar ao escrever sobre o que chama de “ridículo político”?

Quis alertar as pessoas sobre o que está à frente delas, mas sobre o que elas não conseguem refletir, porque essas imagens aparecem, para nós, naturalizadas. A gente acha esquisito quando vê políticos em evidência falando bobagens, se comportando de um jeito vexaminoso, mas não percebe como isso é um poder deles. Há uma lógica por trás de fazer um papelão, que é distrair a população. O que está em jogo para nós é: como essas figuras, as mais caricatas, as mais bufonas, as mais patéticas, as que mais causam constrangimento para o outro, no nível de vergonha alheia, se capitalizaram tanto a ponto de serem as mais votadas? Se a gente olhar bem, toda a política nacional, com raras exceções, está vivendo esse clima ridículo. Esse clima não nos favorece. Ele é usado pelos dono do poder para se perpetuar.

O que permitiu a emergência desse ridículo político?

A minha hipótese é que, diante da espetacularização da política, os políticos se tornaram publicitários de si. Nessa lógica publicitária, o que está em jogo é aparecer por aparecer. Muitas personagens dessas cenas ridículas perceberam esse capital imagético. A sociedade do espetáculo é a sociedade na qual a imagem é o grande capital. Eu trato o ridículo político como sendo uma mutação na ordem da cultura política. Esses sujeitos aprenderam a capitalizar pelo escândalo, pelo preconceito. Veja esse rol de pastores neopentecostais preconceituosos, que fazem um discurso fundamentalista. Eles aparecem muito quando falam qualquer asneira. Eles fazem o esforço de não serem levados a sério, mas, ao mesmo tempo, colocam-se num teatro em que há uma certa seriedade. Esse preconceito serve também de catarse popular, um preconceito que existe na sociedade, mas que as pessoas não têm coragem de expressar. Esses caras aprenderam a capitalizar imediatamente esse sentimento nas redes sociais. Após as redes, vários se tornaram heróis, mitos.

O ridículo político está relacionado ao surgimento da pós-verdade?

Quando eu falo mais sobre o cinismo, é justamente isso que está em jogo. Cito muito essa questão do “falar merda”, é um assunto que acho genial. As pessoas falam merda, falam bobagens e têm uma despreocupação com a verdade. De repente, a gente criou toda uma cultura que desconsidera a questão da verdade, ninguém está mais preocupado com isso. O cinismo é o extremo de desconsideração com a verdade. O cínico é o sujeito que fala verdade, fala mentira e tanto faz. Verdade e mentira estão absolutamente confusas. Quis apontar esse círculo cínico que se estabeleceu entre os representantes da nação e a população. É um círculo que envolve cínicos e otários, políticos e cidadãos. Esse é um nó para a gente tentar desatar, tendo em vista essa reflexão sobre o arranjo entre estética e política.

Uma postura anti-intelectual é também uma característica do ridículo político?

O ridículo aumenta quando a inteligência diminui. É preciso desvalorizar a reflexão, o conhecimento, o diálogo, tudo que possa melhorar a nossa visão das coisas. Devemos ficar, como cidadãos, cada vez mais tapados para aguentar esse tipo de político no poder. Esse é um arranjo que captura o cidadão no seu todo, como ser que pensa, ser que sente, que age e é devorado nesse papel de mata-moscas em que a política tem se transformado.

Há saída para o ridículo político?

Estamos num momento que requer muito cuidado. Precisamos nos preocupar mais uns com os outros. A gente vai ter que reconstruir um projeto de país nessa linha. Nós precisamos de mais reflexão, mais diálogo. A gente precisa voltar a se preocupar mais com a política. Nós precisamos levar a política a sério. As pessoas ficam brigando, mas brigar não significa levar a política a sério. É levar de maneira passional. A gente está vivendo paixões políticas e perdendo a racionalidade em política. Isso prejudica todo mundo.

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