Para mulheres negras, violência política virtual marcará eleições de 2022

Se depender do retrospecto das experiências vividas por mulheres negras na política brasileira, a violência política de gênero, com recorte racial, será um dos desafios no caminho das candidatas com esse perfil que se propuserem a entrar na disputa por cargos públicos nas eleições de 2022.

“Violência é algo que sempre atravessa nossos corpos e, no ano que vem, é possível que tenhamos vários tipos de ataque”, avalia Gabrielle Oliveira de Abreu, coordenadora institucional do movimento Mulheres Negras Decidem, que também realiza formações políticas.

A preocupação não é sem motivo: nesta semana, a vereadora de Niterói Benny Briolly (PSOL), mulher preta e trans, foi mais uma vez vítima de ameaças de morte por e-mail. A parlamentar registrou ocorrência, e a polícia vai investigar o crime.

No Instagram, ela publicou foto segurando o boletim de ocorrência com a legenda: “Buscam me silenciar e me expulsar da cadeira que ocupo todos os dias. Mas sei que não estou só. Por isso sigo firme na luta por uma política que abrace as demandas de corpos como o meu”.

No primeiro semestre, ela precisou sair do país por segurança, após ter recebido mensagens com o mesmo teor.

Os dados mostram que as mulheres estão mesmo na mira desse discurso violento: em pesquisa lançada neste mês, o Instituto Marielle Franco concluiu que 80% das entrevistadas sofreram violência virtual, principalmente nas redes sociais, durante período de atividades eleitorais.

Para Gabrielle, ainda que sob ataque, políticas negras devem se engajar no ano que vem em campanhas mais próximas à população para angariar votos para suas candidaturas. “A população precisa enxergá-las como a potência que são.”

Mulheres negras na política: o que esperar em 2022

Embora formem a maior fatia populacional do Brasil (28%), de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mulheres negras são as menos representadas nas instâncias políticas. Segundo a ONU Mulheres, em 2020, apenas 8% das que se candidataram para o cargo de prefeita foram eleitas.

Nos cargos de vereança, a situação não é tão diferente: nas eleições passadas, quatro mulheres negras —Erika Hilton (PSOL), Luana Alves (PSOL), Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) e Sonaira Fernandes (Republicanos)— assumiram posto na Câmara de Vereadores. A última vez que a população paulistana havia eleito uma mulher negra para o cargo foi em 2008.

Gabrielle explica que o aumento nas cadeiras conquistadas por elas caminha a passos lentos. Para mudar o jogo, a população precisa perceber que as candidatas são capazes de ter poder nos espaços públicos. “Elas estão aptas e interessadas em exercer cargos públicos, seja na vereança, no Congresso e até mesmo na Presidência da República, que é o nosso grande sonho.”

Agora é lei!

Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei de combate à violência política contra mulher que, entre outras questões, determina que o estatuto dos partidos políticos contenha normas sobre prevenção, sanção e combate à violência política contra a mulher.

A violência política de gênero é caracterizada por comportamentos ofensivos, perseguições e agressões cometidos contra políticas especificamente por serem do sexo feminino. Há o agravante de mulheres negras e LGBTQIA+ também serem atacadas por questões raciais e de LGBTQfobia.

Neste sentido, Gabrielle diz que o movimento está em alerta para cuidar daquelas que são mais vulneráveis: negras, defensoras de direitos humanos e progressistas.

A pauta também está no radar do Instituto Marielle Franco. Em entrevista a Universa, a coordenadora da pesquisa “Violência Política de Gênero e Raça no Brasil”, Fabiana Pinto, afirma que o Brasil precisa compreender quais são os pontos que geram discurso de ódio e preconceito.

“A violência que essas mulheres sofrem está relacionada a quem elas são e não só às pautas que defendem. É pelo cabelo, por serem da favela. São sentimentos despertados pelo ódio racial, pela transfobia, pela lesbofobia. E o que elas são não podem mudar.”

+ sobre o tema

Confira atividades que celebram o Dia da Mulher Negra

Entre os destaques estão duas apresentações da cantora Nãnan...

‘A Receita’ debate a violência contra mulheres negras

A peça ‘A Receita’, do grupo O Poste Soluções...

“Muita gente votou querendo governar a sexualidade dos outros”, diz psicanalista

Paula Peron, professora da PUC-SP, analisa como a sexualidade...

para lembrar

País tem recorde nos registros de estupros; casos de injúria racial aumentam 20%

Crimes de ódio crescem na contramão das quedas dos...

Amo a maternidade, mas ela não me ama

"Amo a maternidade, mas a maternidade não me ama." Poer Erica...

Vereadores de Goiânia são indiciados por racismo após homofobia em plenário

Quatro vereadores de Goiânia foram indiciados pela Polícia Civil...

Uma gravação para escapar dos abusos

Menina de 9 anos registra uma conversa com o...
spot_imgspot_img

Festival Justiça por Marielle e biografia infantil da vereadora vão marcar o 14 de março no Rio de Janeiro

A 5ª edição do “Festival Justiça por Marielle e Anderson” acontece nesta sexta-feira (14) na Praça da Pira Olímpica, centro do Rio de Janeiro,...

Mês da mulher traz notícias de violência e desigualdade

É março, mês da mulher, e as notícias são as piores possíveis. Ainda ontem, a Rede de Observatórios de Segurança informou que, por dia,...

Mulheres negras de março a março

Todo dia 8 de março recebemos muitas mensagens de feliz dia da Mulher. Quando explicamos que essa não é uma data lúdica e sim de luta...
-+=