Peço desculpas ao meu corpo

Enviado por / FontePor Mariana Belmont, do UOL

Hoje eu queria sinceramente pedir perdão ao meu corpo, que não está aguentando mais. Me sinto em um cansaço extremo. Mesmo tentando dormir bastante, não consigo. Acordo e durmo cansada. Desculpe.

Não me lembro de fazer isso, de olhar para o meu corpo com compaixão, com cuidado e percebê-lo adoecendo com a decisão de muitas horas de trabalho, de continuar pisando na dor, toda uma queixa para depois que se resolvesse um mundo que não se resolveu.

E veja, eu realmente acho que fui bem disciplinada com ele, faço exercício físico todos os dias, sim. Eu sou uma mulher gorda que faz funcional todos os dias, santa Fernanda minha personal. Eu odeio, sério, mas eu gosto e não troco. A única coisa que não deixei de fazer e trocar por trabalho.

Outro dia vi um post sobre autocuidado escrito pela querida Lua Barros e ela listou várias possibilidades de se cuidar. Uma em especial me pegou, fiz bastante nos últimos meses, mas não tanto como deveria e como deveria. Entre momentos de abismo, poço profundo de sentimentos e emoções, com a vida particular que corre dentro e a vida política que atravessou todas as vidas. Me chamou atenção na lista da Lua que “Autocuidado é estabelecer limites”.

Estabeleci meus limites. Fortaleci a minha vida com quem me queria perto. Estabeleci meus limites, das relações que não me faziam inteira. Resolvi estabelecer como e quando estar perto de cada pessoa que me fazia deitar no chão em posição fetal. E deixar as dores de ódio e tristeza se estabelecerem no meu corpo.

Mas na prática é difícil demais. Soltar a mão e dizer não.

Em 2022, que ainda não acabou, eu morri e ressuscitei em mim algumas vezes. Sozinha em choros profundos de solidão e perdida dentro de mim, dentro de mim que sou uma floresta confusa de muitos biomas. Ah, a poesia das palavras que nos ajudam a avaliar o caminhar.

Eu morri quando tive que sobreviver e ser adulta depois de perder meu padrinho e ter que cuidar de absolutamente toda burocracia como quem enterra alguém quase que literalmente. Eu morri e revivi quase pronta para seguir.

Sempre me senti uma pessoa engraçada, com muitas pessoas ao redor e que trazia e conseguia estabelecer relações duradouras. Eu ainda consigo. Mas fui perdendo a vontade e me sentindo chata, morrendo de graça e nascendo a necessidade de ficar sozinha.

Indo em lugares que eu nem mesmo queria ir.

Meu corpo sente absolutamente tudo. E sem dorflex eu deixo ele sentir. Sinto dores dos ombros até o quadril quando tô cansada e passei dos meus limites. Minha cabeça dói em encontros desencontrados com energias que não foram blindadas. O corpo sente quando percebe que não me preparei para aquele dia no mundo.

Hoje sinto que nem meus pés estão me aguentando de tão cansados, as demandas não acabaram e estão acumuladas. Qual seu limite, Mariana? – me perguntou meu pé direito assim que acordei e coloquei ele no chão.

Enquanto escrevo para a minha coluna de quinta eu penso que tenho ainda uma lista de fechamentos, acabei de pensar do quanto preciso escrever para entregar uma coisa até dia 20. Não consegui escolher a viagem de ano novo, talvez seja bom passar sozinha para variar. Eu tenho tantos planos para 2023, será que vai dar? Tem tanta coisa para cuidar no mundo, quanta coisa deixei de fazer por mim, será que dá tempo?

“Eu colhendo vento / Corpo tempestade…” – Luedji Luna

Estabeleci então os limites com o outro e não meus limites comigo. Eita!

Quando uma mulher perde o medo de desagradar e começa a olhar para si é revolucionário. Um instante sem volta. Amor para si primeiro te dá coragem para o amor com o outro, os outros.

Muitas coisas. A reflexão do cuidado com o mundo, o planeta e as pessoas, as reuniões intermináveis, o que não acaba, listas de tarefas, prioridades inventadas, os jogos de poder, a busca pelo próprio protagonismo, mas tudo sem se olhar inteiro. Tem tanto disso no mundo, eu tô aí nesse meio também, provavelmente. Pelo menos alguma carapuça vai me servir. O mundo vai aguentar?

Assisti um vídeo essa semana com Lorena Cabnal, que é guatemalteca e integrante da Red de Sanadoras Ancestrales del Feminismo Comunitario Territorial, desde Iximulew-Guatemala, dizendo:

“Não podemos lutar contra o machismo, contra o racismo, contra o neoliberalismo com corpos doentes, com corpos deprimidos, com corpos entristecidos. Porque uma das intenções do sistema patriarcal é que as mulheres tenham corpos infelizes.”

É uma importante liderança indígena maya-xinka e se declara como feminista comunitária. Cabnal tem uma forte defesa do território:

“Se queremos feminismos que defendam os corpos emancipados, mas esses feminismos não falam de territórios emancipados, então a luta do feminismo não se sustenta. Eu não posso ser feminista se falo da defesa do meu corpo, da sexualidade, mas não defendo a terra. O feminismo precisa defender a terra. Afinal, onde vão viver os corpos emancipados?”.

Estar inteira com corpo e território.

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