Existe um certo fascínio pela virgindade. A primeira experiência sexual é considerada um dos marcos da “vida adulta”, ainda que o imaginário social sobre o tema seja radicalmente diferente para homens e mulheres. A concepção imaculada da mitologia cristã, a moral religiosa, o ideal de “pureza” e até um certo grau de sadismo em relação à dor e ao sangue fazem parte do conjunto de ideias associadas a essa experiência singular. O que no caso dos gays ainda é colorido pelas tintas de dor e de prazer que essa identidade estigmatizada carrega em seu rótulo…
por Fabrício Longo no Os Entendidos
Uma das primeiras coisas que procurei fazer ao entrar na internet foi arranjar alguém para “perder a virgindade”. Era como se ela fosse um fardo, do alto dos meus dezesseis anos, e queria simplesmente me livrar logo, saber como era e sossegar. Tão forte era esse desejo que depois de satisfeito, eu só fui transar de novo mais de um ano depois, quando efetivamente passei a ter uma vida sexual ativa. Na primeira vez, o que eu queria era saber como era!
De certa forma, acho que essa minha experiência é reflexo tanto do “ser gay” quanto do “ser homem”, que estão mais para construções complementares do que opostas. A homofobia se alimenta da diferenciação e da hierarquização entre hétero/homo e másculo/efeminado, mas o “ser gay” é baseado tanto na identificação com o gênero masculino quanto no desejo por indivíduos desse mesmo gênero. Assim, a sexualização predatória estimulada nos homens parece ser potencializada nos gays, até porque essa figura social nasce de uma prática sexual – e do interesse e do horror provocados por tudo que diz respeito ao sexo.
Já falei uma vez sobre como os heterossexuais desejam os gays. Falei especificamente dos homens e de como a relação de poder entre os rótulos “hétero” e “gay” – com ênfase no estereótipo da “bicha promíscua” – faz com que os heterossexuais vejam sua “macheza” como alvo instantâneo da cobiça gay, imaginando que gays estariam sempre disponíveis para sexo e que portanto o possível interesse da parte de um hétero seria uma espécie de “dádiva”. No caso das mulheres, dá para pensar na ideia de “desperdício” e no fetiche de “conversão”, quando uma mulher se sente poderosa ao tentar (ou conseguir) despertar interesse sexual em um homem gay.
De qualquer forma, embora os xingamentos geralmente sejam ligados ao comportamento efeminado (inclusive porque independente da orientação sexual os meninos são ensinados a “ser homem”), a homossexualidade só é validada como identidade depois que a pessoa assume ser gay. Ou seja, quando ela admite que sente desejo por pessoas do mesmo sexo. E ainda assim, existe o risco de que isso seja tratado como “uma fase” ou como alguma confusão se a pessoa “ainda não experimentou para saber”, diferentemente da heterossexualidade que é logicamente aceita como natural independente de experiência ou declaração.
Cresci como um “homem gay”. A “ameaça” da minha homossexualidade sempre esteve presente. Fui ensinado a não “dar pinta” não só porque não é coisa de homem, mas também porque isso poderia me transformar em alvo de assédio, então essa dimensão de erotização também foi parte do processo de compreensão do que significava “ser gay”, junto dos olhares e gestos de homens (e de algumas mulheres), as brincadeiras com os amigos e é claro, os meus pensamentos.
O ambiente excitante dos banheiros públicos e dos vestiários de academia, com suas promessas de nudez e o medo de repreensão, os convites carregados de prazer e da consciência de que qualquer coisa feita poderia ser um pecado, a busca de oportunidades nas sombras, nas salas de bate-papo, nos aplicativos… Agora talvez as coisas sejam mais fáceis ou aconteçam mais cedo, não sei. De qualquer forma, para os gays o sexo tem essa outra aura ritualística não só de maturidade, da “vida adulta”, mas também de uma confirmação de identidade. Uma versão pornô da primeira comunhão.
Obviamente que falo aqui de relações sexuais consensuais. Infelizmente a “primeira vez” de vários gays acontece em situações de abuso e violência, até por causa dessa sexualização precoce. Há também as pessoas que se identificam como gays mas não sentem vontade de fazer sexo, o que é perfeitamente legítimo. De qualquer maneira, em nossa sociedade tão contraditória quando o assunto é sexo, existe esse “deslumbramento” sobre o momento em que uma pessoa transa ou deixa de transar pela primeira vez, com quem, onde, etc.
Até hoje, pais machistas ainda carregam seus filhos para “ter a primeira vez” com prostitutas, como parte das lições sobre o que é “ser homem”. Por outro lado, quando temem que seus filhos possam ser gays, alguns desses pais tentam evitar ao máximo que isso se confirme pela consumação de alguma experiência sexual. Enquanto para nós, talvez seja o misto de excitação e medo que acompanha o tremor de ver outro garoto trocando a cueca depois de uma aula que conte como a “verdadeira” primeira vez. Aquela em que olhamos para o espelho e dizemos “eu sou”.
Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.