Liberiana assumiu país vindo de ditaduras e guerra civil
A liberiana Ellen Johnson Sirleaf, 72, tornou-se em 2006 a primeira mulher a comandar uma nação africana, com o desafio de unir seu país no pós-guerra e de restaurar a confiança em suas instituições.
Ela é uma das 17 mulheres líderes mundiais atualmente, grupo ao qual se somará agora Dilma Rousseff.
Chamada de “Dama de Ferro”, ela contou por telefone à BBC Brasil que o apelido lhe agrada, porque “as pessoas precisam saber que sou capaz de tomar decisões difíceis” no comando de um país que veio de ditaduras (de Charles Taylor, em julgamento em Haia por crimes de guerra em Serra Leoa) e de uma guerra civil sangrenta.
Quase cinco anos após a posse de Sirleaf, a Libéria (oeste da África) ainda enfrenta enormes desafios sociais. Cerca de 80% da população de 3,4 milhões vive abaixo da linha de pobreza. A expectativa de vida é de apenas 41,84 anos (no Brasil, chega perto de 72 anos).
Por outro lado, a eleição de Sirleaf – economista educada nos EUA – ajudou a atrair investimentos externos à Libéria, e a comunidade internacional levantou sanções às exportações do país.
A presidente relatou à BBC Brasil que tenta equilibrar seu lado “de ferro” com o “instinto natural” de fazer acordos.
BBC Brasil – Após quase cinco anos no poder, que lições a senhora aprendeu como a primeira presidente mulher da África?
Ellen Johnson Sirleaf – Ao chegar à Presidência após tantos anos de conflito, o que aprendi é que é preciso cuidado para equilibrar o instinto de prover às pessoas seus direitos e seu bem-estar com (a necessidade) de tomar decisões difíceis, (…) como mandar as pessoas para a cadeia, num ambiente de pós-guerra, de violência contínua e de indisciplina.
BBC Brasil – Acha que, por ser mulher, enfrentou desafios maiores?
Sirleaf – Não acho que os desafios sejam diferentes. Qualquer presidente teria feito o que fiz. Mas acho que a grande diferença é que a mulher tem um instinto natural de se preocupar com o bem-estar das pessoas.
BBC Brasil – Acha que a África estaria mais perto de extinguir suas guerras se houvesse mais mulheres na Presidência?
Sirleaf – Não tenho dúvidas quanto a isso. Acho que a atitude da mulher costuma ser de buscar acordos, permitindo que o foco (do governo) seja o bem-estar das pessoas. É mais improvável que uma mulher faça guerras.
BBC Brasil – Algumas pessoas atribuem às mulheres liberianas o fim da guerra civil no país. A senhora concorda?
Sirleaf – Concordo. Inclusive foi feito um documentário a respeito do papel das mulheres no processo, mulheres profissionais, religiosas, que dia após dia, sob sol e chuva, fizeram apelos por paz, encontraram-se com líderes locais e africanos, levantaram-se perante os jovens soldados que estavam guerreando.
BBC Brasil – Há semelhanças entre a senhora e Dilma Rousseff, eleita presidente do Brasil. Ambas se opuseram a ditaduras (no caso de Sirleaf, à ditadura de Samuel Doe, nos anos 1980). Ambas são vistas como mulheres duras. Que conselho daria a Dilma?
Sirleaf – (Diria a ela que) definisse uma agenda o mais cedo (possível), que seguisse o rumo definido apesar de distrações que apareçam no caminho e que mantivesse o foco nos objetivos.
Libéria ainda tem 80% da população vivendo na pobreza
BBC Brasil – A senhora comentou em uma entrevista que as mulheres trazem sensibilidade extra ao seu trabalho como líderes. Também sofrem pressão extra?
Sirleaf – Sim. Como mulheres, (nosso) trabalho chama mais atenção, então tudo o que fazemos tem que dar certo. Temos que ser bem-sucedidas, para que possamos mostrar que somos iguais ou melhores no papel. A responsabilidade é dupla, também porque (temos) que cuidar da família (Sirleaf é viúva e tem quatro filhos e sete netos).
BBC Brasil – Seu apelido é “Dama de Ferro”. O que acha disso?
Sirleaf – Gosto, porque o povo precisa saber que, no atual ambiente pós-guerra, em que as pessoas se acostumaram com a guerra, eu tenho a capacidade e a vontade de tomar as decisões difíceis.
Mas também me chamam de “Mãe Ellen”, reconhecendo o meu papel de mãe e avó. Nos momentos em que sou “Mãe Ellen”, sou a que busca acordos. É a busca por equilíbrio que eu havia comentado.
BBC Brasil – Quanto à situação atual do seu país: ainda há feridas abertas da guerra civil? Como curá-las?
Sirleaf – Sim. Tivemos comissões de reconciliação, precisamos voltar ao processo de cumprir o que elas recomendaram, (que é), o processo de perdão, de trabalhar com líderes locais, de (acalmar) as tensões.
(É preciso) mais inclusão, mais discussão aberta sobre as tensões políticas, religiosas e sociais, a continuação da promoção da liberdade de expressão. E, quanto aos milhares de jovens sem educação ou emprego, precisamos mostrar-lhes que eles também têm um espaço e um futuro na sociedade.
Não são coisas que se consertem facilmente, (num ambiente de) indisciplina, de ausência de leis, de instituições disfuncionais. Mas fizemos progressos, atraímos investimentos, resolvemos dívidas (externas) e estamos curando as instituições.
Taylor é acusado de crimes de guerra na Serra Leoa
BBC Brasil – No ano que vem, a Libéria realizará eleições, e a senhora concorrerá à reeleição. O ex-senhor da guerra Prince Johnson também anunciou que vai concorrer (o que alguns analistas consideraram uma ameaça à frágil paz do país). A senhora acha que é um retrocesso?
Sirleaf – O direito de concorrer não pode ser visto como um retrocesso. Johnson é senador eleito da Libéria, independentemente de qualquer opinião pessoal a respeito dele. Seu direito de concorrer não foi questionado por ninguém.
Mas o importante é a escolha do povo liberiano, e acho que os liberianos são responsáveis o suficiente, estão comprometidos com o futuro que lhes pertence e farão a escolha certa.
BBC Brasil – O que espera do julgamento de Charles Taylor? (Parte da oposição critica Sirleaf por ter se associado a Taylor no passado. Ela alega que o objetivo era de tirar do poder o ditador Samuel Doe.)
Sirleaf – Não sei o que esperar. Só podemos torcer para que o que quer que aconteça não cause perigo ou ameaças à segurança da Libéria.
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