Prisões ilegais faz governo avaliar alteração no reconhecimento de criminosos

Prisões ilegais de inocentes, como a do ator global, acontecem “todos os dias no Brasil”, de acordo com Defensoria Pública. Relembre também outros casos de presos por crimes que não cometeram

O Ministério da Justiça avalia desde dezembro do ano passado um anteprojeto de lei que pretende mudar as regras utilizadas hoje pela polícia para reconhecer criminosos. O texto, encaminhado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, tenta evitar equívocos como o que, por 16 dias, deixou o ator global Vinícius Romão de Souza, de 26 anos, na cadeia após ter sido confundido com o autor de um assalto, acontecendo  mais uma de muitas  prisões ilegais.

Reprodução

O ator Vinícius Romão, ao deixar a prisão

“Se o Vinícius não fosse famoso, ele não sairia da cadeia. Pessoas inocentes são presas dezenas de vezes todos os dias no Brasil apenas com base no reconhecimento”, conta o defensor público Mario Henrique Ditticio.

A lei, “que já é ruim, ainda é desrespeitada”, assegura o defensor público no Rio de Janeiro Alexandre Inglez. Ele explica que, atualmente, basta a vítima apontar alguém, mesmo por foto, para que o suspeito seja ‘condenado’ imediatamente. “O Código Penal exige que mais pessoas estejam presentes para o reconhecimento, mas isso raramente é respeitado.”

Mais: ‘Ela cometeu um erro’, diz ator sobre mulher que o confundiu

O texto nas mãos do ministro José Eduardo Cardozo pretende mudar os artigos 226, 227 e 228 do Código Penal. Se o governo tirar o projeto da gaveta e o Congresso aprová-lo, a vítima terá de descrever o acusado antes de partir para o reconhecimento. Com base nessas informações, a polícia vai escalar pessoas semelhantes para a vítima avaliar. O delegado não conhecerá a identidade do principal suspeito para não influenciar a testemunha, informada após o reconhecimento que as investigações continuarão independentemente de seu apontamento.

O anteprojeto é inspirado nas discussões que há duas décadas mobilizam os Estados Unidos, que vêm mudando sua legislação depois que um grupo de advogados, professores, estudantes e jornalistas fundaram o “Innocence Project” em 1992. A tarefa do grupo é reexaminar sentenças condenatórias utilizando testes de DNA nos 10% dos casos em que essa possibilidade se aplica.

Desde então, 230 casos foram pesquisados e 175 pessoas inocentadas. Em 38% das ocorrências, o suspeito foi condenado por erro de identificação da testemunha; e 53% desses equívocos envolveram preconceito racial. “É um absurdo acreditar que toda pessoa que acabou de passar pelo trauma de um crime seja capaz de reconhecer seu agressor”, acredita Ditticio.

Violentado na cadeia

A história de Vinícius se soma a outras prisões injustas que ganharam repercussão nacional. Em 2011, o motorista Fabiano Ferreira Russi, então com 29 anos, finalmente saiu da cadeia. Ele ficou encarcerado por quatro anos apenas porque uma vítima de assalto entregou para a polícia um recorte de jornal com sua foto acreditando ser ele o verdadeiro assaltante.

Em 2006, Heberson Oliveira, aos 30, deixou a cadeia pública de Manaus depois de dois anos e sete meses. Além de ficar preso por um crime que não cometeu, o rapaz foi violentado e contraiu HIV na prisão. “A Justiça roubou minha vida”, disse ele na época. Fora do Brasil, o nova-iorquino David Ranta ficou 23 anos preso antes de ser inocentado. Condenado em 1991 pelo assassinato de um rabino, ele só foi inocentado em março do ano passado. “Nenhuma indenização compensa o tempo que se fica na cadeia”, acredita Inglez.

Depois de sair da prisão, o ator da Globo revelou que dividiu a cela com 14 homens, apesar da capacidade máxima para seis pessoas. “Me senti desmoralizado quando rasparam meu cabelo porque sempre gostei de seguir minhas origens e ter cabelo black power. Meu cabelo dizia muito sobre quem eu sou.”

 

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