Professor da UNB cria site que disponibiliza obras em português de filósofos africanos

Para incrementar a cultura africana nas escolas e universidades brasileiras, Wanderson Flor do Nascimento, professor de filosofia da Universidade de Brasília (UNB), criou um site educativo, com obras literárias de filósofos africanos. A página Filosofia Africana  se concretizou graças a um estudo realizado por ele, que encontrou como barreira a dificuldade de acesso aos materiais. Segundo o educador, a maioria dos títulos estão disponibilizados apenas em inglês ou francês. Em entrevista ao Jornal de Brasília, Wanderson conta sobre a idealização do projeto e explica como o material contribui para a formação dos estudantes e admiradores da cultura africana.

Por Ícaro Andrade Do Jornal de Brasilia

1- Como que você sentiu a necessidade de aprimorar a filosofia africana nas escolas e universidades brasileiras?
Desde 2003, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) foi modificada pela lei 10.639, determinando que conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira estivessem presentes em todo o currículo do ensino fundamental e médio, me dediquei a pensar de que maneira a filosofia cumpriria sua parte neste imperativo legal. Como pouco sabemos sobre o continente africano, sua história, sua cultura e, sobretudo, seu pensamento, me coloquei na tarefa de buscar na filosofia africana elementos que pudessem ser trazidos para um diálogo com os currículos brasileiros de filosofia, que têm uma forte presença do pensamento europeu.

2 – Quando surgiu a ideia de criar o site?
Comecei a buscar traduções para os textos sobre filosofia africana, já tão pouco conhecidos, onde surgiu a ideia de disponibilizá-los, reunidos em um único espaço, com o objetivo de facilitar que os professores do ensino médio acessem os materiais para, também, subsidiar suas aulas sobre filosofia africana e, assim, atender ao que a LDB determina. O site foi ao ar no final de agosto de 2015, reunindo traduções publicadas, artigos produzidos no Brasil e na Europa, em língua portuguesa.

3 – E a necessidade de diálogo dentro de sala de aula trazendo à tona a filosofia africana e brasileira?
Essa necessidade surge quando eu percebo que a formação docente para o ensino de filosofia ficaria prejudicada se não fornecesse elementos para que estudantes pudessem ter contato com um conhecimento que lhes seria exigido quando estivessem lecionando no Ensino Médio. E, além disso, na medida em que eu ia conhecendo melhor a produção filosófica do continente africano, percebi que a presença de reflexões produzidas no continente negro deveriam ser estudadas em qualquer disciplina da graduação na qual eu discutisse filosofia. Uma maneira de fazer com que se conheça algo, é tornando rotineiro o contato com este algo. E, assim, vou inserindo a filosofia africana nos conteúdos das disciplinas que leciono na UnB.

4 – Qual a importância da filosofia africana para a educação no Brasil?
Trazer a filosofia africana para a educação brasileira aumenta o repertório de reflexões com o qual estudantes têm contato, ajuda a compreender as continuidades e descontinuidades entre o pensamento que produzimos aqui e o que se produziu e produz na África, fazendo com que possamos entender o que esse continente nos legou e, sobretudo, nos ajudou a desconstruir o racismo velado que paira sobre nossa sociedade, uma tarefa de cidadania.

5 – O que você acha que pode ser feito para implementar o estudo da filosofia africana dentro das salas de aula?
A formação docente é um elemento fundamental para essa implementação. É muito complicado demandar dos professores em sala de aula que trabalhem com um assunto sobre o qual não têm nenhum percurso ou formação. A produção de materiais em nossa língua é outro ponto importante, seja na inserção nos livros didáticos que são utilizados nas escolas, seja com a tradução de materiais que possam servir para que docentes e estudantes se aproximem do pensamento filosófico africano.
A inserção da história e da cultura africana e afro-brasileira daria um substrato que facilitaria a aproximação com a filosofia africana.

6 – Para você, quais filósofos africanos são mais importantes para a nossa cultura brasileira?
Em nosso atual estado, quando conhecemos tão pouco sobre a filosofia africana, penso que quanto mais filósofos e filósofas do continente africano nós conhecermos, melhor para nossa cultura. Então, nesse contexto, posso falar das filósofas e filósofos que têm me ajudado a pensar as questões sobre as quais pesquisei, que são o sul-africano Mogobe Ramose, o camaronês Jean-Godefroy Bidima, as epistemólogas e antropólogas nigerianas Oyèrónké Oyěwùmí e Ifi Amadiume, os moçambicanos José Paulino Castiano e Severino Ngoenha e tantos outros.Tais pensadores trazem reflexões instigantes para pensarmos os temas da subjetividade, da identidade, das relações entre história e política, do gênero e do enraizamento africano para pensar a diáspora.

7 – Existe alguma possibilidade dos navegantes compartilharem livros/artigos ou textos no site?
Sim. No site há uma seção chamada “partilhando olhares” onde as pessoas enviam mensagens e, também, fazem referências a trabalhos publicados sobre a temática do espaço virtual. Vários dos materiais que estão ali, entre livros e artigos me foram encaminhados por suas autoras e autores. Toda a contribuição é totalmente bem vinda!

8 – O que você espera com a divulgação do site e do projeto de pesquisa incluso nele?
Eu espero que os materiais sejam úteis e que as pessoas possam buscar o site mais vezes para subsidiar suas pesquisas e suas aulas. E espero também que em breve outros espaços virtuais possam disponibilizar outros materiais e que as editoras se interessem mais pela publicação de obras filosóficas africanas ou sobre as filosofias africanas.

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