Racismo: Manual para os sem-noção I

“Se quiser ser negra, informo: o racismo faz parte do combo”

Por Djamila Ribeiro Do Carta Capital

André Zanardo/Justificando.

Um guia para evitar as ofensas e o senso comum em relação à luta feminista das negras

É muito comum, infelizmente, deturparem a luta feminista antirracista, reproduzir o senso comum e até ofensas. Por conta dessa situação, montei um pequeno manual didático. Esta é a primeira parte.

“Aceitar opiniões diferentes”

Prezado(a) branco(a), se você é palmeirense e acha que o Corinthians é pior, tudo bem, posso aceitar. Se você prefere carne cozida sem cenoura, o.k. Mas dizer que beleza é uma questão de opinião, não dá. O racismo está na base da construção do belo. Cansei de ouvir: “Nossa, você é uma negra bonita” (com ar de surpresa) ou “Você é a negra mais bonita que conheço”.

Negras, claro, são feias por natureza. Ninguém diz que uma mulher branca é uma “branca bonita”. Dizem apenas que é “bonita”. Uma negra só pode ser bonita entre outras negras. Gostam de hierarquizar nossa beleza. E a clássica “Você dá de dez a zero em muita branca por aí”? Que elogio!

“Não gostar de se relacionar com negras não tem nada a ver com racismo, ninguém manda no amor”

O amor nunca escolhe as negras. Engraçado. Segundo o IBGE, as negras são aquelas que menos se casam e formam a maioria das mães solteiras. Trabalhos acadêmicos revelam a solidão afetiva da mulher negra.

Se o racismo tem um papel preponderante na construção dos padrões de beleza, consequentemente terá na construção do desejo. Olhem as revistas. Liguem a tevê. Qual a “mulher ideal”? Quantas de nós foram preteridas pelo simples fato de ser negras? Como falar em gosto pessoal, quando a esmagadora maioria pretere mulheres negras? Como falar em “escolha do indivíduo”, quando essas escolhas não nos escolhem? Desculpem o trocadilho.

“Vocês veem racismo em tudo”

Adivinhe… O racismo é um elemento estruturante da sociedade. Foram mais de 300 anos de escravidão e medidas institucionais para impedir a mobilidade social da população negra. E você diz que agora tudo é racismo. Em que tempo histórico nasceu? Tem certeza de que é deste planeta?

Ninguém fala em racismo por ser gostoso, ou por não ter mais nada para fazer na vida. Não gostaria de bater tanto na mesma tecla, mas a sociedade não me dá outra opção. Agora, pegue a sua nave espacial e volte para o planeta do qual veio. Pois, se tivesse chegado ontem e dado uma olhada bem rápida, teria notado o racismo latente desta sociedade. Por fim, vou lá passar o meu Lancôme. Sabe como é, preciso estar linda para a próxima chuva de meteoros.

“Vocês precisam criar uma forma de unir as mulheres e não separar”

A sociedade é dividida. Como bem nos ensina Sueli Carneiro, o racismo cria uma hierarquia de gênero e coloca a mulher negra numa situação de maior vulnerabilidade social. Logo, é preciso nomear essa realidade, porque não se pensa em uma solução para um problema sequer pronunciado. Existem várias possibilidades de ser mulher e, justamente porque ela foi universalizada tendo como base a mulher branca, é preciso dizer. Não se trata de competição, mas de fatos históricos, dados de pesquisa.

Você quer destruir uma realidade impondo a sua como universal e ainda cobra formas de dialogar quando existe uma vasta bibliografia sobre o tema. Não sofremos de forma igual. A violência de gênero atinge todas as mulheres, mas atinge de forma mais grave aquelas que combinam mais de uma opressão. Se ainda insistir, reclame com o Ipea, que desenvolveu um material ótimo chamado “Dossiê das Mulheres Negras”.

“Acho as mulheres muito agressivas e violentas na hora de reivindicar”

Primeiramente, defina violência. Segundo, estamos aqui para trazer narrativas de incômodo mesmo, como diz Audre Lorde. Estamos com raiva e temos o direito de estar. Você também estaria se vivesse sob uma realidade violenta e desumana. Se rissem e te excluíssem desde a infância pelo fato de ser negra. E, por fim, não cabe ao opressor dizer ao oprimido como ele deve reagir à violência.

“Amo a cor de vocês, mulheres negras são exóticas”

Mulheres negras não são animais raros para serem consideradas exóticas. Somos, aliás, a maioria das mulheres no Brasil. Referir-se a um grupo dessa forma é colocar-se como superior. Você sabia que durante muito tempo negros e negras foram expostos em zoológicos humanos baseados nessa crença? Recomendo uma leitura sobre a Vênus de Hotentote, Sarah Baartman, exposta por ser considerada “exótica”.

Mesmo após sua morte, seus restos mortais, incluídas as partes íntimas, foram expostos até 2002 no Museu do Homem, em Paris. Trate os negros e as negras com naturalidade e não como se fossem extraterrestres, com condescendência. Faça como fazem com os brancos, sem alarde ou surpresa. Se quiser ser negra, informo: o racismo faz parte do combo.

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