REPORTAGEM: Ex-menino soldado trocou armas pela capoeira na RD Congo

Enviado por / FonteDo DN

“A capoeira me faz esquecer do que passei no grupo armado”, disse o adolescente de 16 anos, um ex-menino soldado de uma pequena vila em Bashali ao norte na província de Kivu do Norte, área conflagrada por grupos armados.

Há três meses, desde que chegou ao centro de transição para ex-meninos soldado na cidade de Goma, F. R. aprendeu a praticar a arte marcial de origem afro-brasileira. Desde então, esta é uma das atividades em que o rapaz é mais assíduo.

As aulas de capoeira acontecem duas vezes por semana no centro de ação para crianças desfavorecidas (CAJED, por sua sigla em francês), no subúrbio de Goma.

Em 2014, a capoeira foi reconhecida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Património Cultural Imaterial da Humanidade. A partir deste mesmo ano, esta manifestação cultural brasileira de descendentes de africanos escravizados no período colonial tem sido utilizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na República Democrática (RD) do Congo como uma estratégia para ajudar a crianças vítimas de violência.

“A capoeira faz com que eu me sinta capaz de poder fazer alguma coisa. Esqueço de todo o passado. Aqui vejo que a vida é melhor porque não sofremos mais, dormimos e alimentamo-nos bem. Não somos obrigados a nada”, comentou F. R. que esteve na escola primária apenas três anos.

As suas memórias recentes são mais duras. Foi raptado e lutou por um grupo de milicianos de origem hutu congolesa.

Os dados são escassos. Estima-se que existam entre 20 a 30 mil soldados dos grupos ativos de milícias de autodefesa em Kivu do Sul e do Norte, segundo dados das Nações Unidas em 2011.

Junto com outros meninos, F. R. conseguiu escapar. “Para chegar aqui foi muito difícil. Tive que mostrar evidências que eu fazia parte de um grupo armado, então levei comigo algumas cápsulas de balas”, contou.

No início do ano, o rapaz apresentou-se numa das bases da Missão de Paz da ONU em RD Congo (MONUSCO) na cidade de Kitchanga, uma localidade remota a 70 quilómetros de Goma. Depois de ter passado pelo programa de desmobilização, desarmamento e reintegração da ONU, ficou sob os cuidados da UNICEF e de ONG locais por ser menor de 18 anos.

“Fiz vários amigos quando comecei a jogar capoeira. Nós nos juntamos, mesmo tendo lutado em grupos rivais”, disse.

Segundo Marie Diop, especialista em proteção à criança da UNICEF em Goma, a capoeira foi incluída como ferramenta de trabalho psicossocial com crianças nos centros de acolhimento.

“Começou como um projeto piloto, pois queríamos ver se teria aceitação por parte das crianças. Discutimos se a capoeira poderia ser utilizada para a paz e ser integrada no programa infantil”, disse Diop.

Sob o nome de “Capoeira pela Paz”, a iniciativa foi impulsionada pelo governo brasileiro com fundos do Canadá e da ONG AMADE-Mondiale e já beneficiou cerca de quatro mil crianças em Kivu do Norte.

“Vimos que a capoeira tem ajudado a afastar o estigma das crianças que estiveram associadas a grupos armados. Tentamos entender a história e o contexto dessas crianças para transferi-las a famílias de acolhimento e a centros de transição antes que possam ser reintegrados de vez às suas famílias e às suas comunidades de origem”, explicou.

+ sobre o tema

Patrice Lumumba

Faz agora meio século. Foi a 17 de Janeiro...

Ilha onde Nelson Mandela ficou preso é atração turística na Cidade do Cabo

Nelson Mandela, principal líder da luta anti-apartheid na África...

Hoje na História, 1909, nascia Kwame Nkrumah

Kwame Nkrumah (Nkroful , 21 de Setembro de 1909...

Disputa por patrimônio de Mandela envolve filhas e amigos

Disputa por patrimônio de Mandela: duas filhas de Mandela...

para lembrar

Palhaço Benjamim, o precursor da luta contra o racismo na arte

Você sabia que a tradição circense não admitia palhaços...

Criolo prova sucesso com show lotado no Rec Beat

Por Carolina Santos Foram quase vinte anos de uma...

Anderson Silva faz 37 anos, não pensa em parar e já preocupa os familiares

Anderson Silva comemora seu aniversário neste sábado e família...
spot_imgspot_img

Capoeiristas farão censo para mapear grupos na capital paulista

O Fórum da Capoeira do Município de São Paulo e o Instituto Caifazes Ação Social vão fazer uma pesquisa censitária na capital paulista para mapear os...

“Capoeira é meu remédio”, diz mestre de 96 anos

Aos 96 anos de idade, o mestre de capoeira Felipe Santiago, de Santo Amaro da Purificação (BA), não para de cantar. Nem fica longe...

Valorização da cultura: Salvador recebe o maior evento de capoeira do país 

Com o objetivo de fortalecer os saberes tradicionais, promover o direito à cultura e reconhecer os grandes mestres da capoeira, a cidade de Salvador...
-+=