Sagrado Feminino , os riscos para as rodas de mulheres.

Rodas de sagrado feminino estão acontecendo em cada esquina e há muitos grupos na busca de se conectar e honrar o feminino, a linhagem feminina ancestral, reconhecer as mulheres que a precederam fazendo as pazes e abrindo caminhos para que cada uma possa simplesmente ser.

Por Andrea Schiavi Do Matri Gaia

Entretanto há ao mesmo tempo muitas distorções perigosas que em vez de gerar bem estar e liberdade, podem aprisionar e dar continuidade à certos tipos de opressões de recaem de mulheres sobre mulheres. É preciso antes de tudo saber o que se pretende e o que se imagina que seja o Sagrado Feminino. Ou apenas criamos mais um grupo de fantasiosas místicas que se acham  especiais por serem mulheres, mais especiais do que os homens, e ainda pior, podemos criar regras, dogmas onde algumas mulheres se identificam, se encaixam e outras não. Ou seja, algumas são sagradas e outras…nem tanto. Mas mesmo assim em algum momento todas irão fazer reverências às suas ancestrais, mesmo que elas tenham em suas histórias características que não as façam assim tão “sagradas”. E mesmo que uma mulher desta roda não tenha verdadeira honra por suas ancestrais devido à traumas e mágoas de verdadeiro sofrimento nas mãos delas, farão o gesto de reverência, pois caso não perdoem ou honrem suas ancestrais estão fugindo ao sagrado feminino, não são dóceis e amáveis de flores no cabelo como se espera do arquétipo feminino, diga-se de passagem – distorcido.

Ritualizar abre portas para o lúdico, para a criatividade e principalmente para a intenção de encontro com que é sagrado, com o que é divino. O ritual pode ser o fio condutor de uma experiência pra dentro que pode revelar tesouros. Mas um ritual também pode ser destrutivo quando mulheres buscam sua identidade pela comparação com as outras e não aprendem na viagem interior a encontrar a identidade própria, os valores próprios e a partir daí se mover pelo coração. Elas podem se comparar sobre a forma de como é a intuição, umas tem visões, outras, sensibilidade aguçada e as percepções do rito podem causar um sentimento de não pertencimento. Mas para além disso, elas podem ficar presas nestas formas, deslumbradas e envaidecidas com os próprios insights e não se darem conta do que realmente interessa , que é justamente como esta experiência afeta sua atuação no mundo. Podem perder a oportunidade se fazerem as seguintes perguntas:

O que é feminino?

O que é masculino?

O que é sagrado?

Quem é e como vive uma mulher sagrada?

Qual mulher não é sagrada?

Tenho pra mim que todo ser é sagrado, não só as mulheres, não só o feminino. Também acredito que a reintrodução dos ciclos, da vida cíclica da natureza e da divindade de arquétipo feminino na nossa cultura seja absolutamente benéfica e necessária.  Acredito que este movimento traz de volta o papel da mulher no mundo, como a que cuida, que desperta, que inicia as outras, tantas vezes pelo viés da força e da firmeza da mulher guerreira ou mais sintonizada com arquétipo masculino. E para isso ela usa de sua capacidade de sonhar, de intuir, de viajar entre mundos, de saber porque sabe, de acessar mais fundo. Mas ela só consegue tudo isso quando perde o medo de atravessar o inferno, a dor e o sofrimento através de sua própria jornada. E o reconhecimento dos ciclos é que permite que ela mergulhe em seu processo, cada vez mais inteira e traga os resultados à consciência para partilha com as demais.

Sendo assim, ela não diz jamais à outra mulher que ela precisa perdoar suas ancestrais e honrá-las, pois respeita sobretudo as dores de suas irmãs, sabe que no momento que a cura chegar isso será feito por natureza do ciclo de amadurecimento que não pode ser forçado. Entende que existem mulheres que sofreram abusos destrutivos por parte de suas genitoras. Como dizer à uma mulher cuja mãe a entrega ao marido em abuso sexual aos quatro anos de idade que ela deve se curvar e reverenciar  suas ancestrais?  Ou à outra, cuja mãe é assassina e emprega maldade perversa?

Ou ainda como falar em sexualidade sagrada e relembrar experiências sexuais de adolescentes quando se foi violada aos três anos de idade por um familiar e toda família se calou e fingiu que não aconteceu? As mulheres em rodas sagradas nunca imaginam quantas entre elas viveram experiências deste tipo, pois são assuntos não abordados mesmo, calados silenciados, desconfortantes e que continuam sem espaço, pois não combinam com o arquétipo do sagrado feminino.

Eu não digo com isso, que tais mulheres não devam se curvar e reverenciar ou amar suas mães, ou que não possam ter boas lembranças de experiências sexuais adolescentes, digo apenas que é preciso cuidado e respeito para que esta mesma mulher possa finalmente se sentir segura e acolhida para adentrar  suas dores, se curar em seus ciclos à seu tempo.  E a cada vez que mulheres se reúnem e não criam estes espaços seguros ficam “brincado” de ritualizar, perdendo tempo de atuarem como verdadeiras mulheres sagradas, que se sustentam para olhar para o que é difícil, que se unem na colheita de seus tesouros trazidos dos confins da alma pelo mestrado e doutorado de suas experiências de vida superadas e transformadas pelo amor profundo que encontram em seus corações.

 

+ sobre o tema

Teoria que não se diz teoria

A separação entre teoria e prática é um histórico...

‘Perdemos cada vez mais meninas e jovens’, diz pesquisadora

Jackeline Romio participou da Nairóbi Summit e aponta os...

Sou mulher. Suburbana. Mas ainda tô na vantagem: sou branca

Ontem ouvi algo que me cativou a escrever sobre...

Por um feminismo de baderna, ira e alarde

Neste 8M, ocuparemos politicamente as ruas e as nossas...

para lembrar

27 ideias de tatuagens feministas

Que tal eternizar na pele seus ideais de luta...

Vereadores de SP aprovam lei que permite presença de doulas em hospitais e maternidades da cidade

Vereadores de São Paulo aprovaram na última quarta-feira (7)...

Ato na USP cobra ação de diretor sobre ‘ranking sexual’ em Piracicaba

Grupo se reuniu em frente à diretoria da universidade...
spot_imgspot_img

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

Homens ganhavam, em 2021, 16,3% a mais que mulheres, diz pesquisa

Os homens eram maioria entre os empregados por empresas e também tinham uma média salarial 16,3% maior que as mulheres em 2021, indica a...

Escolhas desiguais e o papel dos modelos sociais

Modelos femininos em áreas dominadas por homens afetam as escolhas das mulheres? Um estudo realizado em uma universidade americana procurou fornecer suporte empírico para...
-+=