“Segurança pública no Brasil é pautada pelo modelo da guerra”

O ano de 2016 representou um retrocesso na questão de Direitos Humanos no mundo e o Brasil não escapou à regra. A conclusão é da ONG Anistia Internacional em seu amplo relatório sobre a situação global dos Direitos Humanos, divulgado nesta quarta-feira (22).

por  Elcio Ramalho no RFi

Renata Neder, assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, informa que um dos principais aspectos ressaltados pelo relatório é em relação à segurança pública. As taxas de assassinatos continuam muito altas no país, cerca de 60 mil por ano, sendo que 70% foram por arma de fogo. ” Infelizmente, o ano passado foi marcado pelo alto número de homicídios de jovens negros e um aumento no número de homicídios pela polícia. Isso acontece por causa da negligência das autoridades em não adotar medidas específicas e políticas de segurança pública de prevenção e redução de homicídios. Se você for olhar, a lógica da política de segurança pública no Brasil é pautada pelo modelo da guerra, em particular da guerra às drogas”, explica Renata, ressaltando que isto resulta em operações policiais muito violentas, altamente militarizadas, de confronto, que causam milhares de mortes todos os anos, inclusive de policiais no exercício de sua função.

Diante dos dados dramáticos – 60.000 mortes por ano – a ONG tem pedido desde 2014 uma política nacional de redução de homicídios. Considerando que essa deveria ser a prioridade absoluta do país, Renata Neder constata que isso não vem acontecendo.

Violência policial desnecessária

No capítulo brasileiro do relatório, destaca-se a violência da polícia na repressão a protestos populares: uso desnecessário e excessivo da força, recurso a armas menos letais, detenção arbitrária e ferimento de pessoas. O problema também se manifesta de forma flagrante nas operações em favelas. No Rio de Janeiro, um dos poucos estados que divulga dados, foram mais de 800 mortes pela polícia no ano passado.

Como recuar essa violência policial no Brasil? “Existem várias medidas que podem e devem ser adotadas pelas autoridades para diminuir e acabar com isso. Em relação à repressão policial nos protestos, (…) é muito importante que a polícia entenda o seu papel durante uma manifestação, que não é reprimir mas garantir que a manifestação aconteça em segurança. A polícia também tem que ser treinada e é preciso ter uma regulamentação do uso das chamadas armas menos letais, como gás lacrimogênio e balas de borracha, que estão sendo amplamente usadas no Brasil (…) e, claro, é importante que os casos sejam denunciados para serem investigados e responsabilizados, e nada disso tem acontecido”, esclarece a assessora.

Quanto à violência letal da polícia, ou seja, o uso de armas de fogo, a partir de 2015 a Anistia Internacional começou a fazer uma série de recomendações às autoridades estaduais e nacionais sobre medidas que podem ser implementadas. “Uma delas, muito importante, é a investigação de homicídios em operações policiais”, observa Renata, lembrando que, em geral, a polícia diz que atuou em legítima defesa e isso é considerado como verdade, ocultando as execuções extra-judiciais. Ela ressalta que também é importante o controle externo da atividade dos policiais. No Brasil, é o Ministério Público que tem essa responsabilidade constitucional e, segundo a Anistia Internacional, está sendo omisso nesse papel.

O sistema penitenciário também é denunciado pelo relatório, que aponta a superlotação, a tortura e os maus-tratos como regra nas cadeias do país.

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