Sem Brasil, governos e organizações lançam agenda de combate à desigualdade de gênero

A ONU Mulheres e um grupo liderado por 92 organizações e 24 países apresentaram nesta quarta (31) uma série de ações e diretrizes para guiar o combate à desigualdade de gênero nos próximos cinco anos.

A agenda foi debatida durante o fórum Generation Equality, que reuniu grupos da sociedade civil, organismos internacionais, empresas e governos para discutir seis eixos, chamados de “coalizões de ação”: violência de gênero, justiça econômica, saúde reprodutiva, gênero e mudança climática, tecnologia e inovação e fomento a movimentos e lideranças femininas.

Durante três dias, foram analisadas propostas em cada uma das áreas. Agora, elas serão transformadas em um documento a ser apresentado aos governos na segunda parte do fórum, que ocorrerá em Paris —ou, o que é mais provável, de forma virtual— entre os dias 30 de junho e 2 de julho.

Entre os pontos que devem aparecer no relatório estão, por exemplo, a meta de dobrar o número de mulheres e meninas com acesso à internet e a criação de 8 milhões de empregos para mulheres no setor de tecnologia, segundo a diretora da ONU Mulheres, a nigeriana Phumzile Mlambo-Ngucka.

A preocupação com a igualdade salarial e a “shecession” (termo derivado da união das palavras “recessão” e “ela”, em inglês) provocada pela pandemia de coronavírus também será incorporada.

A agenda final pode ser absorvida por todos os países-membros do órgão, mesmo aqueles que, como o Brasil, não fazem parte do grupo de liderança. “Sempre vai haver espaço para incorporar novos parceiros, e espero que o Brasil faça parte”, afirmou à Folha Nadine Gasman, ex-representante da ONU Mulheres no Brasil e presidente do Instituto Nacional de Mulheres do México.

Alguns aspectos, porém, devem tornar complexa a participação do Brasil, já que um dos eixos fundamentais das coalizões é a saúde reprodutiva e a autonomia corporal de mulheres, o que vai de encontro à política de defesa do “direito à vida desde a concepção” promovida pelo governo Bolsonaro.

A Folha procurou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves, para questionar por que o Brasil não participou do fórum e se o país comparecerá ao evento marcado para acontecer em Paris, mas não obteve resposta.

Na quarta, empresas, instituições e governos anunciaram as primeiras medidas concretas. A Fundação Ford e o Canadá firmaram uma parceria segundo a qual o instituto investirá US$ 15 milhões (R$ 84 milhões) no Fundo da Igualdade, programa canadense para movimentos feministas.

Já o governo do país colocará US$ 10 milhões (R$ 56 milhões) no fundo da ONU para combate à violência contra a mulher. A associação de filantropia Women Moving Millions, por sua vez, comprometeu-se a arrecadar US$ 100 milhões (R$ 563 milhões) para apoiar o desenvolvimento das ações das coalizões.

Um dos temas de destaque do fórum foi o desequilíbrio do trabalho não remunerado, principalmente no que se refere à “cultura de cuidados”. Ou seja, o tempo despendido por mulheres com dependentes, como filhos e idosos. Para tal, o governo do México anunciou uma parceria com a ONU Mulheres para a criação da Aliança de Trabalhos de Cuidados, programa para fomentar o estabelecimento de creches e de outros mecanismos, como subsídios, que diminuam a “crise do cuidado” agravada pela pandemia.

A presença brasileira se deu por meio de organizações da sociedade civil, sem representantes do governo.

Participaram representantes do Géledes – Instituto da Mulher Negra, do Fórum Permanente pela Igualdade Racial, da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, do Comitê Mulheres Negras Brasileiras, da União Libertária de Pessoas Trans e Travestis e da ONU Mulheres Brasil.

Na América Latina, são parte da liderança do órgão Argentina, Uruguai, Chile, Costa Rica e México, que “sediou” o evento. Assim, entre aspas, já que, devido à Covid, todos os debates foram online.

O fórum deveria ter acontecido em 2020, para marcar os 25 anos da Conferência de Pequim, na qual foi montada uma agenda para o combate à desigualdade de gênero ratificada por todos os 189 países da ONU, e montar um plano para acelerar o cumprimento das metas, que não foram alcançadas.

A pandemia, no entanto, adiou o evento. Agora virtual, a reunião compensou a falta dos encontros entre as palestras com a criação, por parte do público do fórum, de grupos de WhatsApp. O mais movimentado tem 257 membros e nele são trocadas mensagens em inglês, espanhol, francês, árabe e grego.

Quem entrava na plataforma virtual que simulava um centro de conferências, com acesso a diversas salas com programação própria e até um quiosque de informação, deparava-se com uma homenagem a Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018. O nome da vereadora carioca batizou um dos quatro auditórios do evento. Questionada, a organização afirmou que a ideia não partiu do Brasil.

Na abertura, participaram os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do México, Andrés Manuel López Obrador. O francês afirmou que a igualdade entre homens e mulheres não é negociável e não pode ser relativizada por nenhum valor, incluindo os religiosos.

Já López Obrador, em seu discurso, falou mais sobre o neoliberalismo do que questões específicas relacionadas às mulheres. Também disse que seu governo tem política de impunidade zero com a violência de gênero, embora boletim da ONG mexicana Impunidad Cero aponte que, em 2019, menos da metade dos feminicídios no país foi punida.

O encerramento do evento foi ao ar livre, em um parque da Cidade do México. “Estamos cheias de esperança, mas também cheias de ambição. A esperança é importante, mas ela não é uma estratégia. Por isso precisamos da ambição”, afirmou Mlambo-Ngucka, a diretora-executiva da ONU Mulheres.

+ sobre o tema

A mãe desnecessária

A boa mãe é aquela que vai se tornando...

Caminhos e tropeços de uma velha feminista

Generadas³: feminismos em pauta - Um mosaico abrangente da atual...

Projeto de admissão tácita de paternidade, da ex-deputada Iara Bernardi é aprovado pelo Senado

Foi aprovado na quarta-feira 04/08/2010, pelo Plenário do Senado,...

Projeto resgata a história e a arte de mulheres negras gaúchas no cinema

“Um Mergulho por Mares Ainda Não Navegados” é o...

para lembrar

Ministra Luiza Bairros pede a Joaquim Barbosa igualdade racial no Judiciário

  A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da...

Índias levam bandeiras feministas às aldeias e assumem dianteira do movimento

Nascidas em aldeias indígenas no Acre, Letícia Yawanawá, 49...

De uma mana preta

De uma mana preta! Mulher,Mulher mãeMulher filhaMulher netaMulher periféricaMulher duraMulher...

Lançamento do livro “Escritos de Uma Vida”, de Sueli Carneiro

Do CCSP A coletânea de artigos reflete sobre a necessidade...
spot_imgspot_img

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...

Nath Finanças entra para lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo

A empresária e influencer Nathalia Rodrigues de Oliveira, a Nath Finanças, foi eleita uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo pela organização...
-+=