Acordo me achando linda e saio como se eu estivesse desfilando na longa calçada de Ipanema, cabelos ao vento, short (k2b), chinelo (havaianas) e uma blusa preta, ah… na blusa escrita “CIA DE DANÇA” de São Paulo. Ao sair de casa entro no meu carro da cor preto (Chevrolet) e dirijo até o trabalho do meu esposo (caixa econômica federal), deixo-o no trabalho e sigo ainda belíssima, ainda eu. Desço do carro e faço algumas comprinhas para o dia das crianças, nesse mesmo momento aumento o limite do meu cartão para que todas as compras dêem certas, e não é que deu!
Por Aline Cristina Gimenes Monti para o Portal Geledés
Retorno para o carro com a sacola branca cheia de presentinhos, afinal, neste sábado 12/10 dia das “crianças”. No caminho de volta para casa lembro-me do que meu esposo havia pedido —– passar nos correios e retirar meu livro, estacionei meu carro (um calor de rachar) desci do carro e entrei na agência dos correios, eu sempre olho para frente, não me sinto menos e nem mais, sinto que sou eu, ou era até certo momento “eu”. Percebo uns olhares estranhos sendo trocados entre duas funcionárias dessa agência, retiro minha senha de atendimento próximo ao caixa de uma delas, sento para aguardar, enquanto isso no celular ainda me sente incomodada com os olhares. Por algum tempo pensei: Esses burburinhos devem ser porque ha um mês atrás eu estive nessa agência, fui despachar um AR a pedido de um tio meu, fiquei até o fechamento e um pouco mais...
Dependo do meu marido financeiramente, então era preciso ele mandar o valor no meu “cartão de débito” para pagar o serviço, enfim… Serviço pago, AR depositado, tchau pessoal!
Hora de ser atendida ou surpreendida…
Eu – Olá bom dia!
Atendente ao lado – Moça só um momento.
Atendente – Hei moça você esteve aqui semana passada e pegou um envelope levou embora não pagou por ele.
Eu – Moça eu¿, tem certeza¿
Atendente – Sim, você mesma!
Eu – Moça estive sim aqui nessa agência, mas isso faz um mês praticamente e não levei nenhum envelope comigo, tenho como comprovar…
Atendente que me chamou na senha – qual o valor que você pagou pelo AR¿
Eu – 36,80 (trinta e seis reais e oitenta centavos).
Atendente – Não foi só isso não… foi você mesmo! Daqui a pouco a outra caixa chega e você fala com ela…
Eu – moça tem o comprovante e trarei para você – então trás!
Nesse momento a minha atendente foi até um local verificar se eu poderia ainda retirar o livro, detalhe… Estava com minha documentação, minha certidão de casamento, mas…
Eu – lembrei que com a tecnologia em mãos havia no dia mandado para meu tio o comprovante de pagamento e de envio do AR, apresentei para as atendentes…
Olharam… olharam e disseram: MOÇA DESCULPA! Confundi… Também TODOS VOCÊS SE PARECEM…
Eu estava apenas esperando essa fala clássica, já tinha percebido nas entrelinhas do discurso o que realmente estava em jogo, era minha pele NEGRA!‼
Eu – É sempre assim, vocês sempre nos confundiram, é a cor da pele, é a roupa, o cabelo, CONFUNDEM… Hei moça, mas não é assim não, somos negros, temos histórias diferentes, somos diferentes nas nossas especificidades, mas aos olhos de vocês somos todos iguais…
Todos ao redor sentados e ouvindo em alto e bom som o que eu estava dizendo a elas, a ela. Ninguém se pronunciou, pelo contrário, ficaram passados com a minha reação, ah… esqueci, eu não posso ter reação!
CONFUNDI: John Crawford – Ele estava segurando uma arma de brinquedo na seção infantil de um supermercado quando a polícia atirou nele. Antes de cair, John disse: “não é [uma arma] de verdade”.
CONFUNDI: Jonathan Ferrel – Ele sofreu um acidente de carro e bateu na porta de uma casa da vizinhança para pedir ajuda. Desarmado, ele foi abordado por policiais, que atiraram 12 vezes, acertando 10 balas em Jonathan que, enquanto agonizava, ainda foi algemado.
CONFUNDI: Amadou Diallo – Ele morreu na frente de seu apartamento, no Bronx, após receber 19 tiros. A polícia o confundiu com um estuprador. Momentos antes do incidente, ele havia ligado para sua mãe e dito suas últimas palavras: “mãe, eu estou indo para o colégio”.
CONFUNDI: Oscar Grant – Ele foi retirado à força de um vagão do metrô de Oakland por um policial. Enquanto estava no chão, imobilizado, um segundo policial atirou em suas costas. Enquanto ele morria, gritou: “você atirou em mim. Você atirou em mim!“. Segundo o autor do disparo, o objetivo era usar o taser, arma de choque, e não o revólver. Oscar estava desarmado e não havia feito nada que justificasse sua retirada do vagão.
CONFUNDI: Kendrec McDade – Após uma falsa denúncia para o telefone da polícia, Kendrec foi avistado em um beco por policias. Apesar de estar desarmado, foi alvejado e morreu. Suas últimas palavras: “Por que você atirou em mim?”
CONFUNDI: Jovem é confundido com bandido e passa 27 dias preso em São Paulo
CONFUNDI: Jovem é confundido com assaltante e acaba morto por agente penitenciário
CONFUNDI: Polícia Civil ajudou a realizar a perícia no local: delegado diz que ‘tudo indica’ que o veículo foi confundido com o de criminosos.
CONFUNDI: MOÇA DESCULPA!
…
Chamo-me Aline tenho 31 anos sou estudante de pedagogia, moro atualmente em Ribeirão Preto, casada e com uma filha. SOU NEGRA, fato!
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