Sobre as coisas que o feminismo não me fez ser

Tive a sorte de crescer numa família que, talvez nem soubesse, mas era feminista. Isso porque tanto meu pai quanto minha mãe tinham contribuições e vozes igualmente importantes na casa, além de me incentivarem a ser e fazer o que eu quisesse. Também por isso, nunca tive vergonha de dizer que sou feminista, mas ultimamente tenho visto um movimento assustador, anti-feminista e contrário ao que entendo por igualdade. Homens atacando violentamente mulheres que escrevem textos feministas e mulheres com vergonha de se assumirem como feministas, já que elas são amplamente tachadas, principalmente na internet, de inúmeros estereótipos que não condizem com a realidade.

Por Julia Barbosa Do Blogueiras Feministas

É espantoso ver quantos ataques o feminismo sofre por querer um mundo mais justo e igualitário. Chega a ser engraçado, se não fosse trágico, que, como vivemos numa sociedade que já alcançou alguns pilares de igualdade, as pessoas se esqueçam que direitos considerados básicos foram amplamente contestados no passado, como o direito ao voto, trabalhar sem permissão do pai ou do marido, direito de sindicalização, de serem juradas ou de terem acesso ao controle da natalidade. Muitos dos argumentos defendiam que a educação era um fardo físico muito grande para o sexo feminino. Portanto, muito se diz e pouco se sabe sobre o feminismo.

Há ideias preconceituosas e mentirosas que precisam ser desmistificadas, por isso listo aqui o que o feminismo não me fez ser:

1. Uma odiadora de homens.

Para mim não faz sentido o feminismo ser anti-homem, a ideia é justamente que as pessoas convivam de forma igualitária em sociedade. A discussão não é sobre a vingança pelos crimes cometidos pelo patriarcado, e sim sobre a busca pela igualdade entre os gêneros – o que penso que seria do interesse de todos, mas infelizmente não parece ser. Na minha opinião, acredito que homens também podem ser feministas, porque o machismo também os afeta e porque é importante para o feminismo que os homens passem a modificar suas ações, combatendo valores machistas em seu cotidiano e apoiando propostas de mudanças que sejam benéficas para a igualdade entre os gêneros.

2. Uma aproveitadora que não quer pagar contas ou abrir portas de carros.

Já ouvi muito que o cavalheirismo é a parte do machismo que convém às mulheres, que todas as mulheres deixam de ser feministas para aceitar privilégios como esses, que adquirem pelo simples fato de serem mulheres. É bom lembrar disso quando saímos as ruas e sofremos assédio de todos os lados. Gentileza, deveria ser algo comum, uma ação de todas as pessoas. Sem esperar nada em troca. Apenas respeito.

3. Uma pessoa que tem que seguir padrões estéticos e sexuais.

Muita gente costuma dizer que feministas querem ser iguais aos homens, até mesmo fisicamente. A questão é: as pessoas deveriam poder ser como quiserem. Para as mulheres, ser identificada com padrões masculinos é motivo de chacota e desrespeito. Para os homens, ser associado a características tidas como femininas é motivo de chacota e desrespeito. Acabamos limitando a existência de todos. A vaidade se expressa de diversas formas, o importante é que cada pessoa seja livre para ser o que deseja.

4. Uma pessoa que odeia as donas de casa.

Por ter a desigualdade do mercado de trabalho como foco, o feminismo é muitas vezes acusado de odiar as mulheres que não trabalham no mercado formal. O trabalho doméstico sofre com a falta de reconhecimento e remuneração, justamente por ser desempenhado em grande parte apenas pelas mulheres. Porque a cultura ainda prega que “o homem ajude em casa”. O que só demonstra o quanto o trabalho das mulheres é considerado inferior ao dos homens.

5. Uma assassina de bebês.

Ser a favor da legalização do aborto significa acreditar que é direito da mulher ter plena escolha se quer levar adiante uma gravidez ou não. Se não há liberdade para decidir sobre seu próprio corpo, então não há liberdade nenhuma. A questão do aborto não deve ser tratada como uma questão moral ou religiosa, e sim como uma questão de saúde pública, porque independentemente de ser legalizado ou não, continuará sendo realizado, com as complicações abortivas colocando as vidas de centenas de mulheres em risco. É dever do Estado reconhecer o direito da mulher que não deseja estar grávida.

6. Uma pessoa que tem vergonha de se assumir feminista.

Ser feminista é um desafio pessoal diante de uma sociedade tão machista, mas acredito que o movimento feminista seja fundamental na luta por Direitos Humanos. Já recebi muita cara feia em resposta à minha afirmação de que sou feminista. Me pergunto se essas pessoas e suas caras fazem ideia do que realmente estou afirmando – e gosto de imaginar que, num mundo decente, elas sorririam se soubessem.

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