Um golpe de Estado marcado por machismo e estupidez!

Enviado por Olívia Santana via Guest Post para o Portal Geledés

Essa gente também tem destilado altas doses de misoginia e discriminações. Misoginia é o machismo exacerbado, assentado na crença medieval da incapacidade de as mulheres realizarem aquilo que alguns acham que só os homens podem: exercer poder, por exemplo. Os misóginos têm convicção – e a divulgam sem parcimônia – que as mulheres só deveriam ser belas, recatadas e do lar, jamais da rua, da vida pública, da luta política por direitos.

Há os que querem que a política, feita pelos homens, seja território exclusivo deles. Prova disso foi a agressiva advertência feita pelo deputado Alberto Fraga à deputada Jandira Feghali, numa sessão ocorrida no ano de 2015 quando ela denunciava a agressão física do deputado Roberto Freire: ” Mulher que participa de política como homem e fala como homem, também deve apanhar como homem”, disse Fraga. Ou seja, se ela teve a ousadia de igualar-se a eles, na visão do deputado, é legitimo que um homem recorra ao velho uso da força bruta para mostrar-lhe quem pode mais.

A presidenta Dilma sempre riscou fora do traçado do feminino mitificado que dociliza e fragiliza as mulheres. Não é do lar. É dos números. Dilma é economista, com larga passagem em cargos públicos estratégicos, que muitos homens gostariam de ter em seus currículos. Destemida, enfrentou a ditadura militar de 1964. Não se vergou aos ditames dos seus torturadores, nem mesmo do verdugo coronel Ustra, hoje saudado com sádico saudosismo por um dos seus parceiros, o deputado Bolsonaro. Mas a História tem ironias. Por duas vezes mais de 50 milhões de brasileiros tornaram Dilma presidenta e comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Dilma é pouco afeita a choros e lamurias. É uma mulher enérgica. Os que a criticam por essa característica não conhecem a história de Maria Quitéria, Anita Garibaldi, Dina do Araguaia ou de quilombolas do tipo Maria Tereza do Quariterê e Zeferina, heroínas na guerra. A mídia que critica Dilma por sua dureza, elogiava a primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher – a dama de ferro – que em 1982 esmagou os argentinos na guerra das Malvinas, admitindo até usar armas atômicas contra o país. A bravura da britânica era vista como virtude por olhares acometidos de um certo complexo de vira-lata.

No teatro do absurdo que a Câmara dos Deputados se tornou, na surreal sessão realizada no dia 17 de abril, 367 deputados votaram pela cassação do mandato da presidenta, com discursos que nada tinham a ver com as tais pedaladas fiscais. Causou espécie ver o presidente da Casa, réu por decisão unânime do STF, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, pedir pena máxima para a presidenta, a perda do seu mandato. Tudo isso se realizou com o beneplácito do Poder Judiciário, que somente depois do serviço sujo realizado por Cunha, resolveu afastá-lo, limpando, portanto, a cena do crime.

A solidariedade das mulheres à presidenta Dilma não é automática, por ela também ser uma mulher. Influencias ideológicas conservadoras ou emancipacionistas, disputam o imaginário feminino. Algumas mulheres surgem como força auxiliar dos mentores do impeachment, movidas por interesses autorreferenciados ou até por subserviência a seus tutores. A advogada Janaína Paschoal, que subscreve o pedido de impeachment, nos estarrece com suas pregações carregadas de metáforas misóginas contra a presidenta. A deputada Raquel Muniz discursou expressando uma indignação cênica contra a corrupção; disse sim ao impeachment e dedicou seu voto ao marido, que no dia seguinte foi preso por crime de corrupção.

Já as deputadas Jandira Feghali, Luiza Erundina, Alice Portugal, Benedita da Silva, Luciana Santos, e outras, combateram discursos e práticas machistas; defenderam o Estado democrático de direito com maestria. Vozes se ergueram, dentro e fora do país. Grandes jornais mundo a fora não passaram recibo, denunciaram o golpe em curso. A CEPAL, a OEA e outros organismos internacionais também se pronunciaram na mesma linha. A ONU Mulheres condenou a banalização da violência de gênero e os ataques sexistas praticados contra Dilma.

Golpe?! Não vale a pena ver de novo! A crônica desse momento está sendo escrita pelos registros invisíveis da História. No futuro tudo virá à tona. O opaco vice-presidente Michel Temer é a face da traição, que não pode ser recompensada com a faixa presidencial. A primeira mulher eleita presidenta do Brasil reclama justiça. A omissão significa um autorizo à ascensão das velhas e insaciáveis raposas; o país dirigido pela estupidez e truculência dos sem votos. Há que se preservar o mandato de Dilma até 2018. E, se o golpe passar, que seja exigida a realização de plebiscito sobre a antecipação das eleições presidenciais. Afinal, mais forte são os poderes do povo!

*Olívia Santana é secretária de Políticas para as Mulheres da Bahia

+ sobre o tema

Obama afirma que reanimar a economia é sua tarefa mais urgente

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, considera que...

Tribunais são enviesados contra mulheres e negros e não fazem justiça, diz advogada da OAB

Os Tribunais de Justiça são enviesados e, por isso,...

O tal “panelaço” tem cara, grife, cor e endereço, nobre, diga-se de passagem

O tal "panelaço", importado da Argentina, de que  grande...

Bresser Pereira lamenta: o Brasil enlouqueceu

Fundador do PSDB, economista e ex-ministro dos governos Sarney...

para lembrar

As lutas por Direitos foi eleita ‘personalidade do ano’ pela revista Time

NOVA YORK (AFP) – A figura do "manifestante" foi...

A visão insuportável da tolerância

Fonte: Luis Nassif De repente, sem que procurasse, um...

Classismo, sexismo, escravismo, racismo, xenofobismo, homofobismo e especísmo

José Eustáquio Diniz Alves O teocentrismo dominou o pensamento...

Viver a Vida – Depoimento de Vera sobre a violência sofrida pela mulher

Novela Viver a Vida - Depoimento de Vera Vieira...

Sonia Guimarães, a primeira mulher negra doutora em Física no Brasil: ‘é tudo ainda muito branco e masculino’

Sonia Guimarães subverte alguns estereótipos de cientistas que vêm à mente. Perfis sisudos e discretos à la Albert Einstein e Nicola Tesla dão espaço...

A Justiça tem nome de mulher?

Dez anos. Uma década. Esse foi o tempo que Ana Paula Oliveira esperou para testemunhar o julgamento sobre o assassinato de seu filho, o jovem Johnatha...

Fim da saída temporária apenas favorece facções

Relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o Senado Federal aprovou projeto de lei que põe fim à saída temporária de presos em datas comemorativas. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA),...
-+=