Uma carta para Pepe Mujica – Por Luana Tolentino

Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2016

Querido Pepe Mujica!

Espero que estejas bem!

No  O Beltrano

Escrevo impactada pelo cenário de horror que toma conta do meu país desde que Dilma Rousseff, presidenta eleita com 54 milhões de votos, foi destituída do cargo.

Como o senhor já deve saber, na tarde de terça-feira, 13 de novembro, o Senado Federal aprovou a PEC 55, a Proposta de Emenda Constitucional que nós brasileiros apelidamos de PEC da Morte.

Figuras abjetas, sem ética, sem moral, sem qualquer compromisso com o povo, como Aécio Neves, Cristovam Buarque, Aloysio Nunes, Marta Suplicy e tantos outros, decidiram que nos próximos vinte anos não haverá investimentos nas áreas da Saúde e da Educação, o que significa o sepultamento de qualquer possibilidade do Brasil ser um país decente e igualitário. Como o senhor disse, “os que comem bem e tem boas casas, acham que se gasta demais com políticas sociais.”

Mas não foi para falar das nossas mazelas que resolvi lhe escrever.

Certamente o senhor não se lembra de mim, afinal de contas, naquele 21 de abril era tanta gente, tantos pedidos de fotos e entrevistas… Ainda assim, quero que saibas que jamais me esquecerei do nosso encontro em Ouro Preto.

Enquanto escrevo, lembro do senhor sorrindo para mim. Lembro que o fato de eu desconhecer quase por completo a língua espanhola, não foi empecilho para que o senhor percebesse o quanto eu estava feliz e grata por viver aquele momento. Expressões de alegria, afeto e admiração são universais, não é mesmo? Lembro do exato momento em que o senhor segurou a minha mão trêmula para que a nossa selfie ficasse boa. Eu tremia tanto! Inclusive, por dentro.

A torcida inteira do Galo, meu time do coração, soube do nosso encontro. Dona Nelita, minha mãe, se encarregou de contar.

Desde aquela manhã, muita coisa mudou em minha vida. É como se o senhor e suas palavras tivessem provocado uma verdadeira revolução “aqui dentro”. Novos horizontes se apresentaram diante dos meus olhos.

Quanto mais eu leio os seus discursos, as suas entrevistas, maior é a minha vontade de aprender com o senhor.  

Entendi que é preciso enxergar as pessoas com mais compaixão. Nem sempre consigo. Às vezes sou dura, injusta. Ainda assim, estou me esforçando bastante. Juro!

Repensei minha relação com o consumo. Arrumei o meu guarda-roupa e me dei conta que tenho muito mais do que preciso. Para que comprar tantas coisas se “nesta vida, felicidade não é acumular dinheiro, é acumular carinho”? Consegui zerar a fatura do meu cartão de crédito, acredita? Para mim foi uma grande vitória.

Quando falo sobre essas mudanças, as pessoas não compreendem bem. Então explico que o senhor não faz “apologia à pobreza”, muito pelo contrário. O senhor nos mostra que é possível ser feliz com pouco, sem sermos escravizados pelo sistema capitalista.

Tenho procurado mudar também a minha relação com os alimentos. Em um momento de muita dor, descobri no cultivo de verduras e legumes uma maneira de superar, de sobreviver, de encontrar forças para fazer uma travessia dificílima. Já consigo colher alho-poró, salsa, coentro e manjericão. As mudas de berinjela crescem firmes e fortes. Plantei cenouras, mas não deu certo. Acho que reguei demais. Os pés de tomates estão carregados. Olho os frutos e penso que assim como eles, estou crescendo, talvez, evoluindo.

Por falar em cultivar alimentos, no mês passado dei uma aula sobre reforma-agrária para os meus alunos. São crianças de 11 anos de idade. Agora eles sabem que os agrotóxicos são nocivos à saúde, que a concentração de terras no meu país, que tem dimensões continentais, é injusta. Agora eles também sabem que a luta pela terra é legítima e necessária.

Nunca passou pela minha cabeça sair do Brasil. Gosto tanto daqui! Porém, desde que nos encontramos, senti vontade de visitar o Uruguai para conhecer de perto sua gente e todas as revoluções que o senhor tem feito por aí. Irei nas próximas férias, pois como o senhor me ensinou, “a vida não é só trabalhar. Tem que assegurar tempo para viver, para o amor, para os filhos, para os amigos…”

Aproveito para lhe desejar um Ano Novo pleno e cheio de amor!

Que o clima de desesperança que assola todo o continente não nos impeça de lutar por uma América Latina livre, soberana e unida.

Receba o meu abraço carinhoso. Mineiramente apertado.

Luana Tolentino

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