Cinema no Recife bane por um ano diretores Cláudio Assis e Lírio Ferreira

Os diretores pernambucanos Cláudio Assis (“Amarelo Manga” e “Febre do Rato”) e Lírio Ferreira (“Baile Perfumado” e “Sangue Azul”) viraram “persona non grata” no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, reduto de cinéfilos do Recife.

no Folha

Durante um ano, a instituição proibirá “qualquer evento envolvendo os dois realizadores, e suas respectivas produções, em qualquer espaço”, segundo comunicado divulgado nesta segunda-feira (31) –na prática, um veto à exibição de filmes como “Big Jato”, que Assis lançará no Festival de Brasília em setembro.

A punição ocorreu após um debate sobre “Que Horas Ela Volta?” com a diretora do filme, a paulistana Anna Muylaert, no último sábado (29).

Participantes do evento relataram na internet que os cineastas, visivelmente embriagados, interrompiam as falas de Muylaert, do mediador e do público. Assis chamou Regina Casé, que interpreta a babá pernambucana Val, de “gorda”, e um maquiador da produção de “bichona”.

Ele também pegou o microfone da mão da diretora e começou a falar sobre seu próximo longa, “Piedade”, com roteiro assinado pela paulistana.

Também pegou mal Ferreira se intrometer a toda hora no debate. Com fala confessadamente desconexa, ele lembra de ter sido vaiado após suas longas intervenções.

Diretor de arte do longa, Thales Junqueira disse no Facebook ter presenciado um “show de machismo, sexismo, gordofobia: insetos em volta da lâmpada”.

Não é a primeira vez que a dupla “causa” e “deixa o Recife muito irritado”, diz Muylaert. A diferença desta vez foi a repercussão do caso nas redes sociais.

Ela mesma questionou, no perfil virtual de Junqueira, por que “alguns homens não sabem ficar à sombra” –”infantilidade” que seria “uma das grandes fontes originais da mente machista”.

Amiga dos dois, Muylaert disse à Folha que, após o incidente, foi beber num bar próximo com Assis. “No nível pessoal, não fiquei de bode.”

“Como cidadã”, contudo, acha que a Fundação Joaquim Nabuco fez bem em banir os colegas. “A mulher tem dificuldade de subir no palco e o homem, de descer dele.”

Para ela, foi uma atitude machista por parte dos diretores, que não estariam acostumados a lidar com o sucesso de uma cineasta mulher.

“De uma certa maneira, eles não sabem o que fazer quando veem você em evidência assim. Então muitas vezes eles me tiram da cena simplesmente. Meu filme está fazendo sucesso lá fora, está nos Estados Unidos. É uma posição que só homem daqui até hoje teve. É um clube exclusivamente masculino, tem todo um código que eu não conhecia e estou conhecendo agora.”

‘DESRESPEITO’

Curador do cinema da Fundação, Kleber Mendonça Filho (“O Som ao Redor”) classificou o comportamento dos conterrâneos de “desrespeito”. “Além de à Anna, ao filme, à equipe e ao público, também ao Cinema da Fundação, que trabalhou pra caralho desde julho pra trazer Anna ontem [sábado]”, escreveu no Facebook.

Em entrevista à Folha, Cláudio Assis e Lírio Ferreira rejeitam a pecha de machistas –teriam feito o mesmo, afinal, com qualquer um, independentemente de homem ou mulher.

“Faria a mesma coisa com o Beto Brant. Não me arrependo”, afirma Assis, que contou ter tomado “um vinho” antes da projeção.

Na sua opinião, criticar a silhueta de Casé não é ofensa. “Disse que ela estava gorda no filme. E não gosto da atuação dela como atriz, só isso. Todo mundo me chama de magrão. Eu não sou magro mesmo? Oxente!”

Referir-se ao maquiador de “bicha” foi um gesto afetuoso, completa. “É uma brincadeira. Eu chamo de ele bicha, ele me chama de viado.”

Para Assis, seria bom que a Fundação Joaquim Nabuco revisse sua posição. A equipe e a plateia em potencial de “Big Jato”, rodado em Pernambuco, também sairiam perdendo com o castigo, diz. “Não gosta de mim, não fala comigo. Mas punir o filme é censura.”

Já Lírio mostrou remorso por sua participação no debate recifense.

“Anna é amiga minha de 30 anos, fui lá prestigiar. Achei [Que Horas Ela Volta?] o melhor filme brasileiro do ano. Queria falar pro povo como tinha gostado e me enrolei. Ficou todo mundo cochichando: ‘Para, Lírio’. Fiquei cinco minutos lá na frente e fui vaiado. Virou uma coisa deselegante.”

Ele, que diz ter bebido num bar antes do bate-papo com a diretora, contou o próximo capítulo da novela: “Vou sair deste tribunal virtual e cuidar da minha vida, para não constranger meus amigos”.

Casé não respondeu à ligação da Folha para comentar o caso. Kleber Mendonça, que roda “Aquarius”, com Sonia Braga, tampouco.

HISTÓRICO

O quiproquó no Recife está longe de ser o primeiro “barraco” protagonizado por Cláudio Assis. Num dos mais ruidosos, em 2004, quando Hector Babenco recebia em cerimônia no Rio o troféu de melhor diretor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, por “Carandiru” (dividido com Jorge Furtado, por “O Homem que Copiava”), ouviu impropérios vindos da plateia. Era o pernambucano: “Eu sou Cláudio Assis e você é um escroto. Eu falo o que eu quero. Vão todos tomar no cu. Eu falo, eu falo, eu falo”, gritou, enquanto saía da sala.

Assis concorria à mesma categoria por “Amarelo Manga”

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