Da África para o Brasil

Por:Raymondh Junior

 

Foi pela década de 50 que a temática afro-brasileira tomou corpo no carnaval carioca. Uma agremiação que merece o título de pioneira da linhagem afro-brasileira é o Salgueiro. Logo no seu primeiro desfile, em 1954, a escola desceu com “Romaria à Bahia”. Com esse carnaval, o Salgueiro não apenas ratifica a Bahia como o território mítico da origem do samba carioca (mito que é, parcialmente, verdadeiro) como também introduzia no samba de rendo um saboroso vocabulário de origem africano: pela primeira vez a avenida ouvia palavras como cateretê, acarajé e candomblé. E vale lembrar que Senhor do Bonfim é menos Jesus Cristo que Oxalá.

No ano seguinte, o Salgueiro veio com “Epopeia do Samba”. Não a encher os olhos, mas tem o mérito de mencionar, também pioneiramente, que o samba, antes de ser aceito e de se transformar no gênero identificador da cidade, foi criminalizado e perseguido pelas autoridades. Ou seja, falava indiretamente do racismo, das tentativas de branqueamento ideológico promovidas pelo Estado e por membros das elites econômica e intelectual desde a Abolição. Para fechar essa primeira tríade precursora vem o 1957, “Navio Negreiro”.

Mas essa busca das raízes africanas do samba não aconteceu somente no Salgueiro. Em 1958, por exemplo, a Mocidade Independente, então no segundo grupo, desceu com “Apoteose ao Samba”. O tema não tem o tom épico que caracterizou, por exemplo, “Navio Negreiro”; mas não deixa de ser interessante. Outro enredo que também pode ser tido como precursor do tema foi a Aprendizes da Boca do Mato em 1959, com “Machado de Assis”.

O ano de 1959 foi ainda muito importante por outro motivo: o professor de artes plásticas Fernando Pamplona participou como julgador dos desfile e se impressionou com o carnaval do Salgueiro, que nesse ano falava de Debret. Não era um enredo afro- brasileiro; mas Pamplona percebeu que havia ali um imenso potencial de exploração plástica ao ver as pessoas do morro representando os quadros em que Debret retratou a escravidão no Brasil. No ano seguinte, Pamplona já era o carnavalesco do Salgueiro. Sobre a temática afro-brasileira o Academia do samba pode se orgulhar ainda de ter apresentado ao mundo do samba enredos como os memoráveis, “Quilombo do Palmares” em 1960, “Chica da Silva” em 1963 e “Chico Rei” no ano seguinte.

Ficava assim, estabelecida uma linha temática que permitiria ao sambista expandir sua criatividade e tornar os enredos mais verdadeiros e com a cara do brasileiro.

Evidentemente a ideia de retratar a história do negro no Brasil não se restringiu ao Salgueiro. A Unidos da Tijuca veio com “Casa-Grande Senzala” em 1961, um verdadeiro show na avenida. O carnaval deste país pôde ainda registrar o gigantismo da Estação Primeira de Mangueira em 1964 com “História de um Preto-Velho”, e Unidos de Lucas em 1968 com “História do Negro no Brasil”.

Alem dos temas históricos, a presença afro-brasileira entrava no muno do samba através dos legados culturais africanos. Mas não tão rapidamente, como poderia parecer. De 1954, quando o Salgueiro trouxe a palavra “candomblé”, foram necessários 12 anos para que a São Clemente, em 1966, no desfile do segundo grupo, mencionasse pela primeira vez um orixá em seu samba de enredo.

Axé!

 

 

Fonte:  SRZD

+ sobre o tema

Reinvenção do futebol: bola e arte para vencer o racismo

Em comemoração ao dia da Consciência Negra, o jornal...

Josephine Baker

Josephine Baker (03 de junho de 1906 –...

Chael Sonnen lutou dopado contra Anderson Silva

Foto UFC O americano versado...

para lembrar

Aláfia, para além da “África teórica”

Por Igor Carvalho, Uma banda que carrega em sua música...

Casa Branca do Engenho Velho

Casa Branca do Engenho Velho, Sociedade São Jorge do...

Iemanjá a Rainha do Mar

Iemanjá é a Rainha do Mar e as suas...

Hoje na história, 15 Dia da Umbanda : Homenagem pede respeito e fim do preconceito

A Câmara realizou nesta segunda-feira (12), sessão solene em...
spot_imgspot_img

Saiba quem é Mayara Lima, a princesa de bateria que viralizou na internet

Mayara Lima, cujo vídeo ensaiando com a bateria da Paraíso do Tuiuti em perfeita sincronia viralizou na última semana, tem só 24 anos, mas mais da...

Semana de 22: clubes negros mostraram um Brasil além de A Negra, de Tarsila

O mês de fevereiro de 1922 foi bastante agitado em São Paulo por conta do início daquele que viria a ser o marco do...

Festival Perifericu celebra processos artísticos LGBTQIA+ realizados nas periferias

São Paulo, janeiro de 2022 - O Perifericu – Festival Internacional de Cinema e Cultura da Quebrada, evento que tem como objetivo valorizar as...
-+=