Negros e nordestinos são principais vítimas de discriminação em SP

A delegada-titular Daniela Blanco e o chefe dos investigadores Nelson Collino Jr., na sede da Decradi, em São Paulo

por Guilherme Azevedo no UOL

Mais de dois terços dos inquéritos instaurados no ano passado pela Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo) se originaram de denúncias de discriminação de raça, cor, etnia e procedência nacional. Foram 87 casos dessa natureza investigados em 2015, de um total de 125.

“A maior parte dos crimes que investigamos aqui é de cunho racial. Principalmente contra negros e, em segundo lugar, nordestinos”, afirma a delegada-titular, Daniela Blanco.

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A Decradi fica no terceiro andar do edifício-sede da Polícia Civil paulista, no bairro da Luz, centro de São Paulo. É chefiada por Daniela Blanco, a delegada-titular, com o auxílio da delegada-assistente Barbara Lisboa Travassos, três escrivães e nove investigadores. Atende especificamente vítimas e investiga denúncias de crimes de racismo, injúria racial (contra afrodescendentes e estrangeiros, por exemplo), homofobia, preconceito e intolerância (incluindo a religiosa).

Segundo a legislação brasileira, crime de racismo é uma coisa e injúria racial é outra. Racismo é ofender e discriminar toda uma coletividade ou grupo de indivíduos. Preconceito contra a coletividade dos judeus ou dos umbandistas, por exemplo, é um crime de racismo, como define a Lei nº 7.716/1989.

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A apresentadora Maria Júlia Coutinho, do “JN”, foi vítima de injúria racial

Ofender a honra de alguém utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem é tipificado como injúria racial, conforme inscrito no Código Penal brasileiro (artigo 140, parágrafo 3º). As ofensas racistas à apresentadora da Globo foram tipificadas, portanto, como injúria racial. Uma lei que criminalize a homofobia, especificamente, ainda não existe no Brasil.

O racismo é considerado mais grave do que a injúria racial. O racismo é crime imprescritível (não se extingue com o tempo) e inafiançável, enquanto a injúria racial prevê reclusão de um a três anos e multa, dependendo da formalização da denúncia pela vítima.

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Sensibilidade

Na Decradi, o cuidado com a forma de tratamento da vítima é uma distinção, segundo o chefe dos investigadores, Nelson Collino Júnior, ali desde 2005. “Quando alguém chega e fala do preconceito que sofreu, aquilo toca a gente, porque se sabe como é a realidade disso. Então damos uma resposta para a pessoa um pouco mais direcionada para aquele problema que ela está vivenciando”, diz.

Ele diz orientar sua equipe “a tratar cada caso como um caso diferente”. Normalmente acompanha a vítima até o local da denúncia, para que ela identifique exatamente onde foi a ocorrência e se possa fazer levantamento de imagens de câmeras. “A gente busca não diria confortar a vítima, mas mostrar que foi cometido um crime e é de interesse da polícia desvendá-lo.”

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Na avaliação da delegada Daniela Blanco, que trabalha na Decradi desde 2007, os casos mais graves eram vinculados a grupos de intolerância até mais ou menos 2008. “Devido ao nosso trabalho de identificação dos integrantes e até de sua prisão, a atuação desses grupos diminuiu. Em contrapartida, não se tinha tantos crimes na internet como hoje.”

As denúncias de casos de intolerância no Facebook são as mais numerosas, seguidas por Twitter e Instagram. “Não digo que o problema é o Facebook, é quem usa o Facebook”, afirma Blanco.

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Investigação digital

A investigação de crimes pela internet difere da tradicional por ser feita basicamente na delegacia. Inclui pesquisa do perfil da pessoa, confronto dessas informações com sistemas policiais, eventual requisição de informações ao juiz para conseguir dados sigilosos e rastreamento de quem é o responsável por aquela conta ou postagem criminosa.

“O caminho é um pouco mais longo”, diz, “mas não menos eficiente”. “As pessoas acham que, por ser na internet, [a investigação] não vai chegar [até a elas], mas, pela nossa experiência aqui, a investigação chega, sim.”

Foi o que aconteceu com a torcedora que usou de injúria racial para atacar o meio-campista Michel Bastos, do São Paulo, no ano passado.

Pela conta do Instagram do jogador, ela expressou sua indignação com a má campanha do time no ano chamando o atleta de “macaco”, “negro safado” e “otário vagabundo”. Michel Bastos foi à Decradi e denunciou os comentários. A torcedora, moradora do interior paulista, foi identificada pelo perfil do Facebook e convocada a prestar esclarecimentos. Teve de pedir desculpas.

“Não que a pessoa seja racista 24 horas, ela não é de um grupo de intolerância, que perpetua e divulga sua ideologia para angariar outras pessoas no mesmo sentido. Foi uma opinião que ela mesma externou diretamente para ele. A coisa do racismo está embutida na cabeça do brasileiro”, avalia Collino Júnior. “O Brasil é um país racista envergonhado.”

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