“Até que a morte nos separe!”

“A casa é dos espaços mais violentos das sociedades modernas, onde o lugar do afeto é simultaneamente o lugar da violência e onde as relações de amor se transformam em relações tóxicas de tortura, que podem levar à morte”

(Anthony Giddens)

Por Susana Amador, do DN

A violência contra as mulheres é um dos maiores obstáculos à corporização da igualdade e uma fragilização da democracia. A violência contra a mulher compreende crimes que afetam de forma desproporcionada as mulheres, como a agressão sexual, a violação e a violência doméstica. Trata-se afinal da violação dos direitos fundamentais da mulher no que tange à sua dignidade e igualdade.

O impacto da violência contra as mulheres não se circunscreve às vítimas diretamente envolvidas, afeta famílias, amigos e sociedade. Impõe-se por isso que analisemos com espírito crítico a forma como sociedade e Estado respondem a este tipo de crime.

A visibilidade que o tema tem vindo a adquirir, associada à redefinição dos papéis de género e a uma nova consciência de cidadania, obrigou os poderes públicos a quebrar o silêncio e adotar políticas de prevenção e combate que por vários motivos não têm produzido os resultados pretendidos.

Pelo Eurobarómetro de 2016, há 15% de europeus que encaram a violência doméstica como questão de foro privado, mas a realidade começa a mudar, com as mulheres a defender mais os seus direitos, a denunciar. Os recentes casos de assédio em Hollywood levaram à campanha mundial #MeToo, que visa quebrar muros de silêncio sobre assédio e violência contra mulheres, e têm tido consequências efetivas para os agressores e forte censura social.

Impõem-se, pois, medidas cada vez mais eficazes destinadas a combater e prevenir a violência contra mulheres ao nível da União Europeia (UE) e a nível nacional. Entre as europeias incluem-se a diretiva sobre os direitos das vítimas de crime (2012/29/UE) e a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul). A Convenção de Istambul, adotada pelo Conselho da Europa em 2011, constituiu o primeiro instrumento regional, juridicamente vinculativo na Europa, que aborda de forma abrangente as diferentes formas de violência contra as mulheres – psicológica, física, sexual, assédio e perseguição. Na conferência sobre o Índice de Igualdade de Género 2017, que decorreu nesta semana no Parlamento Europeu, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género alertou para o facto de a violência contra as mulheres ser um problema muito maior do que as estatísticas demonstram.

Segundo o Instituto Europeu, quase uma em cada duas mulheres (47%) que sofreram violência nunca disseram a ninguém, “seja à polícia, serviços de saúde, um amigo, vizinho ou colega”. Não poderia estar mais de acordo com Virginija Langbakk, diretora do instituto, quando afirma que a violência contra as mulheres é tanto “causa como consequência da desigualdade de género”.

Apesar de, nos últimos anos, Portugal ter progredido de forma considerável na criação de medidas de reforço da proteção das mulheres perante diferentes tipos de discriminação e violência, nomeadamente com os cinco planos nacionais de prevenção e combate à violência doméstica e de género aplicados desde 1999 e as alterações positivas com a Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que alterou o Código Penal, e a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que aprovou regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, proteção e assistência das vítimas, diplomas fundamentais na tipificação do crime, prevenção e proteção das vítimas, a realidade parece indicar-nos que estas medidas são ainda insuficientes, não garantindo plenamente a segurança e o bem-estar das vítimas.

O governo tem vindo a erigir (e bem) como necessidade imperiosa a coordenação e acompanhamento de todas as estratégias transversais de combate à violência de género, enfatizando ações de formação, sensibilização, prevenção e aprofundamento do conhecimento, devidamente articuladas com forças de segurança, sistema judicial e mecanismos de proteção social, destacando-se o esforço de cobertura nacional em termos de salas de atendimento a vítimas nas esquadras e postos de forças de segurança. Importante ainda é a dinamização de mecanismos de vigilância eletrónica e soluções de teleassistência no apoio a vítimas, meio eficaz de prevenção e controlo do agressor.

Em sede de discussão do OE 2018, o Grupo Parlamentar do PS apresentou propostas de aditamento que vão ao encontro desse reforço em termos de salas de atendimento à vítima, bem como, no âmbito da formação de professores para a cidadania, já que os docentes são nucleares no desafio que temos de vencer – a educação é sempre a chave que abre a porta da não violência e da igualdade .

A proteção social, a autonomização económica da mulher a par de maior agilidade e sensibilidade do sistema judicial e de uma cultura de educação para a igualdade são vitais para inverter o ciclo de violência e refundar as bases da sociedade que se quer mais igual e mais coesa, pelo que é com entusiasmo que vejo a ser implementada em mais de 200 escolas públicas e privadas a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania incluindo no currículo questões que privilegiam a igualdade nas relações interpessoais, a integração na diferença e o respeito pelos direitos humanos.

Entendo que não há espaço para mantos de invisibilidade em torno das violações aos direitos humanos, nem para a tolerância em situações de violência doméstica. Temos de interromper o ciclo continuado da violência que impende sobre as mulheres, aqui no país de Abril, porque, tal como refere Maria da Glória Garcia, “os homens só serão verdadeiramente livres se as mulheres o forem também: em igualdade”.

Vice-Pres. Grupo Parlamentar PS, Pres. Mulheres SocialistasFAUL

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