Feminícidio ou sobre os homens que não amam as mulheres (por Misiara Oliveira)

Há um fenômeno histórico que cresce no Brasil, fruto da desigualdade fundada no gênero – o Feminicídio, assassinato qualificado de mulheres por sua condição de mulher.

por Misiara Oliveira, do Sul21

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ponto extremo da violência que atinge as mulheres todos os dias, e que na ampla maioria dos casos se efetiva no espaço que deveria ser de maior proteção, suas casas e lares. Casos protagonizados por quem mais se confiou ou confia, pessoas do círculo familiar ou parceiro íntimo e afetivo. Por ocorrerem em espaços privados, na maioria das vezes sem testemunhas, as cenas dos crimes e mesmo a apuração dos fatos são muitas vezes manipuladas.

Segundo Mapa da Violência de 2015, Cebela/Flacso, o Brasil ocupa a 5ª posição mundial em assassinatos de mulheres, são 4,8 em 100 mil, uma média de 13 por dia. No Rio Grande do Sul no ano de 2017, segundo a Secretaria de Segurança Pública do RS, foi alcançada a marca de 83 feminicídios, um a cada 4 dias.

Como bem demonstram os dados, estas são situações recorrentes e não pontuais. Apesar disso, mesmo com fortes elementos de unidade na caracterização dos ocorridos, a maioria das abordagens dadas pela mídia e pelas defesas dos réus tenta tratar cada caso como um evento único, desumanizando a vítima e o réu, e usando no caso dos réus categorias que possam os colocar fora do alcance da Lei, com argumentos que transitam desde a forte emoção até uso de substâncias psicoativas. Retirando deste homem agressor a categoria da racionalidade com um único objetivo, minimizar sua ação ou absolvê-lo de tal ato.

Mas como chegamos a esta dolorosa realidade?

O caminho é pavimentado todos os dias pela cultura machista e patriarcal presente em todos os espaços da sociedade que está fundada em uma visão de inferioridade das mulheres a qual pressupõe submissão, dependência e objetificação, agravado em alguns casos pela misoginia, desprezo e ódio às mulheres capaz de autorizar atos de violência ou mesmo seu extermínio. Os sentimentos de perda de posse, domínio e controle estão na raiz das ações, a ponto de autorizar a dispor de uma vida.

Mesmo com todos os avanços com relação aos direitos das mulheres, ainda persiste na sociedade brasileira uma grande tolerância à violência de gênero e por decorrência aos assassinatos de mulheres, uma tendência à naturalização destes eventos.

Podemos constatar ainda, que mesmo com uma Legislação progressista com a Lei Maria da Penha, nº 11.340 de 2006 e a Lei do Feminicídio de 13.104 de 2015 – e apesar de todas as políticas públicas decorrentes desta legislação, em se tratando de casos de violência contra a mulher, as vítimas muitas vezes permanecem sendo levadas ao banco dos réus.

Sobre todos os casos se ensaia e, em alguns se impõe uma narrativa voltada a responsabilização da vítima sobre o ato de violência ou seu próprio assassinato, afrontando sua memória e revitimizando a própria, sua família e amigos.

A impunidade tem sido ainda significativa, alimentada por esta cultura social e muitas vezes garantida pelo peso do poder econômico, fazendo com que tenhamos um longo caminho a percorrer no sentido de garantir justiça para as vítimas e suas famílias.

Este tipo de crime está mais próximo de nós do que imaginamos, como o caso recente da jovem modelo Isadora Viana, 22 anos que abalou a cidade de Santa Maria, e os estados de SC e do RS.

Nesse cenário, o Feminicídio ao lado da violência de gênero permanecem sendo grandes desafios e seu enfrentamento um imperativo para todas e todos que almejam construir uma sociedade mais justa e solidária, com igualdade efetiva entre homens e mulheres.

(*) Secretária de Mulheres do PT/RS

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