Mãe Stella de Oxóssi comemora 90 anos e fala sobre planos

Mãe Stella deseja ampliar sua Animoteca. Os novos projetos da ialorixá são Brincadeira Tem Hora e um concurso de poesia

Por Camila Botto, do Correio 24 Horas

Longevidade. Tranquilidade. Sabedoria. Essas três palavras podem ajudar a definir – pois resumir é impossível – Mãe Stella de Oxóssi, que completa 90 anos hoje.

O ritual do dia de aniversário é acordar, agradecer a Oxóssi por mais um ano de vida e tomar café com seus inúmeros filhos de santo. De noite, a partir das 19h, é hora de festa no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro, no Cabula, local que comanda desde 1976. “Aniversário de criança tem é chocolate né? (risos). Depois você vai crescendo e as coisas mudam. É muito interessante, eu gosto de fazer aniversário. Gosto muito de festa”, afirma a ialorixá.Serena e com uma estante cheia de corujas – símbolo da sabedoria -, Mãe Stella faz um balanço de sua trajetória e diz o que tem deixado de legado: “Eu deixo satisfação porque vejo que sou acreditada, modéstia parte. Eu sei que acreditam no que eu falo. Quando você tem uma obra que as pessoas respeitam, não tem glória melhor do que isso. O forte da nossa religião é servir”.

Para Mãe Stella, iniciada há 76 anos, quando tinha apenas 14, o candomblé teve muitas conquistas. “Mudou para melhor porque agora nós somos considerados religião. Nós podemos ter nossa casa, temos respeito internacional… Outras coisas também modificaram por conta da liberdade. Tem gente que não sabe trabalhar com a liberdade. Inventam trajes, cânticos, mas não podemos fazer nada, né?”, afirma ela, que é grata à longa trajetória.

“É um desafio que nos deixa feliz, porque Deus nos deu a graça de ter condição de pensar, de desejar alguma coisa. Todos vocês me ajudam a levar esse barco. Conto com a ajuda de todos porque sozinha eu não faria nada”, diz.

Mesmo completando nove décadas, a ialorixá não para e está cheia de planos. Mãe Stella deseja ampliar sua Animoteca (biblioteca móvel), lançada em novembro do ano passado. A primeira viagem da Animoteca foi para Cachoeira, onde é realizada a Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica). A última edição homenageou Mãe Stella, que participou da uma concorrida mesa no evento. “Foi um desejo que graças a Deus, e com ajudas, pude realizar. Já está na hora de alguns ajustes”, diz.

Os novos projetos da ialorixá são Brincadeira Tem Hora e um concurso de poesia. O primeiro, voltado para as crianças, deverá acontecer uma vez por mês. “Um momento que eu queria fazer para as crianças que estão soltas. Juntar a criançada e reunir uma vez por mês com os pais aqui no terreiro. Quero que elas venham brincar aqui”, planeja.

Já o concurso de poesia será realizado todo ano no dia da poesia, celebrado em 14 de março. “Estamos trabalhando nisso”, adianta.

Além disso, tem novos livros vindo por aí. Mãe Stella conta que prepara uma série sobre Odú. “Cada um dos meus livros têm uma história”, afirma a ialorixá, que já tem nove livros publicados. O último é O Que As Folhas Cantam (Para Quem Canta Folha), lançado em setembro do ano passado. Por sua trajetória, Mãe Stella ocupa a cadeira de número 33 da Academia de Letras da Bahia desde 2013. “Castro Alves era o patrono da cadeira”, ressalta, orgulhosa.

Um dos maiores ícones da religiosidade baiana, Mãe Stella acredita em todas as crenças, embora não goste de misturá-las. “Religião é uma dádiva. É o que nos orienta. Eu sou a favor de todas as religiões. A pessoa deve acreditar, seja lá no que for. Ninguém pode dizer ‘eu não tenho religião’. Até o ateu fala ‘sou ateu, graças a Deus’”, pontua, rindo. “Nós unimos, mas não misturamos”, completa, sobre o sincretismo religioso.

E ela, quem diria, também tem medos. “Quem não tem medo? Nós temos medo, mas temos fé e temos força de vontade para superar esse medo. Um de nós ajuda o outro a segurar essa barra”, diz Mãe Stella, fechando o papo com uma lição: “A vida é bela, gozá-la convém. Ou seja, a vida é boa, vamos gozar tudo que Deus nos deu”. A nós só resta dizer: Parabéns, Mãe Stella.

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