Representatividade importa e germina polifonias

“Sentimos o agridoce que mistura o salgado da vida com o doce cuidado das mulheres, atrizes e rainhas negras, com seus figurinos a altura que merecemos”
(Laíssa Sobral)
Por Cidinha da Silva* no Blog da Cidinha
Este prefácio, que muito me alegra e honra, é aberto pela reflexão de Laíssa Sobral, como síntese do espírito curativo e gerador que salta da leitura deste Mulheres-líquido – os encontros fluentes do sagrado com as memórias do corpo terra. Ana Koteban acrescenta mais um tijolo nessa construção coletiva de entendimento da mulher negra que somos e do que nos levou a sê-lo, ela nos diz: “nos sentimos não apenas identificadas, mas irmanadas com aquelas personagens em tantas coisas parecidas conosco.”
 
Capulanas somos nós realizando o teatro contemporâneo e negro, formando público com o corpo inteiro, ressignificando a relação com o teatro opressor, o teatro de migalhas destinado a crianças e adolescentes vulnerabilizados, empobrecidos, negros e periféricos.
 
Sangoma: saúde às mulheres negras, mote deste Mulheres-líquido, é uma intervenção artística que se desenha como fonte inesgotável de trocas, retroalimentação, crescimento mútuo, construção de sororidade (sem modismos). Todas as escritas deste livro, e são muitas, buscam o melhor de quem escreve para retribuir poesia às mãos espalmadas e molhadas de Capulanas. São almas alimentadas e gratas à mesa farta que lhes foi oferecida na Goma Capulanas.
 
Participar do movimento transformador deflagrado por Sangoma nos aproxima da sensação expressa por Maria Rita Casagrande, ou seja, a gente se vê no olhar de cada atriz, de cada mulher que integra o espetáculo como visitante-partícipe e é convocada a olhar para si mesma através das outras. É mesmo através, por entre, por dentro, de dentro para dentro passando pelo corpo físico.
 
Somos as mulheres que habitam uma casa sagrada, plena de afetividade e proteção ancestral que, amparadas pela espiritualidade, rompem com o silêncio, para compartilhar pelo corpo, pelo canto, pela oralidade e pela memória, suas histórias de vida e seus caminhos durante o processo de cura. Somos as donas da casa, a Cia Capulanas, ou as visitantes-partícipes que deixaram um pouco de si e beberam água fresca nos ONNIN, nas conversas, no alimento partilhado, “porque quem não sabe pode aprender sabendo”, como nos ensina a sabedoria AKAN.
 
Somos mulheres enraizadas na periferia sul da gigantesca São Paulo que inscrevem neste livro o registro de um caminho trilhado desde 2013, marcado por diferentes momentos de aprofundamento e vivência do tema Saúde das mulheres negras, compreendido nas dimensões de cuidado, cura, prazer e bem-viver. A síntese feita por Carmen Faustino na apresentação desta obra dá conta de que o trabalho ora publicado é “resultado de pesquisas angustiantes, formações sensoriais e estudos, nos quais, choro, riso, desespero e alívio se cruzaram em emaranhado constante de arte, denúncia, amor e resistência.” Como resultado, emerge de toda essa vivência uma necessidade vital de experienciar junto, juntas, constituindo o espaço potencial de vida, apresentado por Regina Nogueira.
 
E o futuro o que é? O que virá? Ele começa pela subversão dos cinco líquidos sagrados do corpo: saliva, suor, lágrima, sêmen e sangue. Aline Gonçalves, ao abordar os líquidos que brotam das mulheres e são sagrados, obviamente excluiu o sêmen. Acrescentou o gozo. Dessa forma, o líquido de lubrificação sexual das mulheres foi entronizado no panteão sagrado e performático de Capulanas.
 
O futuro é o prazer amplamente experimentado, novo tema de investigação e criação artística de Capulanas. E como canta mais uma canção popular de louvação à vida: “viva a alegria / viva o prazer de estar gostando de viver! / viva a maravilha que somos eu e tu / e viva o rabo do tatu!”
 
(*) Cidinha da Silva é escritora e co-autora do texto Sangoma: saúde às mulheres negras, encenado por Capulanas Cia de Arte Negra.

+ sobre o tema

Mulher no período fértil tem rosto mais atraente, diz pesquisa da USP

Lábios volumosos e bochechas simétricas são sinais que atraem...

‘Mentalidade’ é obstáculo para empreendedoras brasileiras, diz especialista

Arancha González é diretora do International Trade Centre –...

Moralismo e machismo imperam em decisões judiciais que envolvem conflitos de gênero

Militante social e professora de Direito da FGV consideram...

para lembrar

Prioridade é incluir mulheres no mercado de trabalho, diz ministra

Mulheres são só 19% dos postos de direção em...

Vítimas: inversão e banalização

A questão das vítimas é das mais delicadas. Nunca...

Mães, pais e “pães” do mundo, sejamos feministas!

Cena 1 Por Patrícia Maeda Do Justificando Casal feliz aguarda a chegada...

Diálogo Movimento de Mulheres e Marketing da Schincario

Em dezembro de 2010, o COMNEGRAS, Centro de Orientação...
spot_imgspot_img

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...

Nath Finanças entra para lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo

A empresária e influencer Nathalia Rodrigues de Oliveira, a Nath Finanças, foi eleita uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo pela organização...
-+=