Biologia, Biodiversidade, Biopolítica – novidades na luta anti-racista?

Este artigo inaugura uma série de textos que serão publicados no Irohin sobre biopolítica. Sob este tema reúnem-se variados aspectos da tecnociência atual, particularmente da biologia molecular e das técnicas de intervenção e manipulação do material genético presente no núcleo das células. E suas imbricações com a política. Entre eles, estão temas como eugenia e sua nova face, a tecno-eugenia, como é chamada por alguns; a possibilidade de privatização e comercialização da vida; o desenvolvimento e comercialização de organismos transgênicos; a biopirataria; o conceito e a legislação de propriedade intelectual e muito mais.

Do Criola

A biopolítica debruça-se sobre análises e ações em torno da atual mudança de paradigma na sociedade, onde a informação torna-se a principal ferramenta de controle dos processos da vida (bio). E quando falo de informação, refiro-me a seus variados códigos e às suas mais variadas formas: biológica (átomos e moléculas que formam o material genético, nanopartículas que compõem a matéria viva); informação digital (a estrutura binária, código numérico da linguagem dos computadores); e a comunicação como sistema, como mídia, como tecnologia, etc. Tudo isto terá (e já têm) forte repercussão sobre a população negra. Mas, infelizmente, estamos ainda muito distantes da forma ativista, militante, de lidar com o tema. Ainda hoje a principal fonte de informações e reflexões sobre estes assuntos para a maioria de nós é o Fantástico da tv Globo! Estamos demorando a entrar no assunto.

Acredito que entre as razões para nosso afastamento é a aparente complicação que envolve estes temas. São discursos de difícil compreensão pelo uso exagerado da linguagem científica, de informações da biologia moderna a que poucos entre nós, negras e negros, tivemos acesso. Ao mesmo tempo que há um excesso de desinformação produzida pela mídia, paradoxalmente, através do bombardeio que fazem sobre as maravilhas e promessas teoricamente associadas a estas técnicas. Nunca abordam as falhas, as impossibilidades, os interesses, o sofrimento que produzem ou podem produzir.

Interesses de lucro estratosféricos e de poder nas mãos de pequenos grupos; interesses de dominação; interesses de controlar processos vitais, substituindo as regras da natureza ou do sagrado, nunca aparecem associados ao desenvolvimento e uso da moderna biotecnologia. São interesses que já conhecemos e que já mostraram sua capacidade de dor e destruição. Racismo, sexismo, homofobia, intolerância religiosa e muito mais, que podem – e vão – ser potencializados pelas novas possibilidades tecnocientíficas.

Estas tecnologias estão nas mãos de poucos, num novo modelo de monopólio transversal, que busca controlar os códigos de informação em qualquer que seja sua plataforma: átomos da tabela periódica, genes, bits, etc, com vastas aplicações sobre as diferentes formas da existência. Impactando a natureza inteira, os seres vivos, os humanos. Este monopólio, amparado em patentes e códigos de propriedade intelectual, está nas mãos de poucos homens. Estes homens não são negros nem indígenas. Não são pobres, nem vivem nos países do antes chamado de Terceiro Mundo. Estes homens sequer se interessam por nossa existência e estão a um passo obterem novos poderes para eliminá-la. Como afirmou um cientista em 1994: “O que é necessário aqui não é genocídio, a matança de populações das culturas incompetentes. Mas precisamos pensar realisticamente em eliminar estas pessoas. O progresso evolutivo significa a extinção dos menos competentes”.(Richard Lynn, Universidade de Ulster, 1994). É a expressão da ambição de um mundo para poucos e totalmente sob controle. É o reforço da eugenia, ciência da “melhoria” racial, que surgiu no século XIX, tomou vigor na Alemanha hitlerista e nunca desapareceu. É um mundo de consumo: “Nossa meta para os próximos trinta anos é ter um controle tão grande sobre a genética dos sistemas vivos que em vez de plantar uma árvore, cortá-la e fabricar uma mesa com ela, sejamos capazes de fazer com que a mesa cresça diretamente.”. (Rodney Brooks, diretor da área de inteligência artificial do MIT- Instituto de Tecnologia de Massachussets).

Um exemplo da atualidade destes temas está na realização, no Brasil,de dois importantes eventos mundiais sobre biodiversidade: a COP 8 (Oitava Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica, de 20 a 31 de março de 2006) e a MOP 3 (Terceira Reunião das Partes sobre o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, de 13 a 17 de março de 2006). Estes eventos são desdobramentos da ECO 92 (a Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento) que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992. A ECO 92 projetou a ecologia como movimento social e teve como resultado a Convenção sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil foi o primeiro signatário. Atualmente a Convenção sobre Biodiversidade reúne 188 países, que virão a Curitiba(Paraná) debater principalmente aspectos vinculados regulamentação sobre o acesso dos países (de suas empresas) aos recursos genéticos da natureza, bem como o uso de novas tecnologias associadas. Racismo, sexismo, homofobia, genocídio, eugenia não estarão na pauta de discussões. Mas estão – desde muito tempo – nas entrelinhas. Estão nos interesses de corporações e de governos. Podem estar nas suas conseqüências. Portanto, não se trata de inventar um novo discurso, uma nova ação, uma nova tendência no interior do movimento social para nos contrapormos ao que os novos cenários da tecnociência privatizada ao gosto das grandes corporações nos

apontam. Trata-se, na pauta de ativistas e movimentos, especialmente aquelas e aqueles que lutam contra o racismo, o sexismo e pela justiça social, de ir mais fundo, de radicalizar nestes tempos radicais. De fazer o que nossas mais velhas e nossos mais velhos nos ensinaram que deve ser feito.

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