‘Racismo continua em todos os EUA’, diz jovem que desafiou leis de segregação

Hoje aos 70 anos, Franklin McCain pediu para ser atendido em um restaurante nos anos 60; ele se emociona com Obama

Quando o presidente Barack Obama discursar na noite desta quinta-feira, 6, no palco da convenção democrata, Franklin McCain verá de perto um sonho realizado. Um ano antes de o primeiro presidente negro dos EUA nascer, o então estudante de química sentou-se com três amigos em uma lanchonete para brancos na cidade de Greensboro, na Carolina do Norte, e pediu para ser atendido. A afronta às leis de segregação mobilizou os EUA e fez de McCain ícone da luta pela igualdade de direitos.

 

McCain, em 1961, com outros 3 negros, exigiu ser atendido num restaurante da Carolina do Norte

Aos 70 anos, ex-executivo de uma multinacional farmacêutica, ele vive na mesma Charlotte onde, hoje, Obama aceitará formalmente a candidatura à reeleição. Conseguiu o ingresso para assistir ao presidente – que conheceu pessoalmente na campanha de 2008 – graças à intervenção de uma sobrinha, deputada estadual na Flórida. “Quando saiu o resultado da eleição (da vitória de Obama), fiquei estático. Eu não consegui ir a nenhuma festa de celebração de tão emocionado que estava”, disse. A seguir, trechos da conversa com o Estado.

Estado: Como quatro estudantes em 1960, em Greensboro, tornaram-se ícones do movimento pelos direitos humanos nos EUA?

Franklin McCain: Discutia toda noite com esses três rapazes, na universidade, sobre o pensamento cristão, a democracia e, juntos, criticávamos nossos pais por aceitarem o sistema de discriminação e segregação. Fazia parte da quinta geração desde os tempos da escravidão. Em 31 de janeiro, em uma dessas conversas, concluíamos que éramos umas fraudes e nos sentimos culpados por isso. Decidimos agir em um lugar onde as pessoas eram tratadas de acordo com a raça. Nas lojas Woolworth de Nova York, um negro podia comprar qualquer coisa e tomar um lanche no balcão. Na filial do sul, não se podia sentar no restaurante, mesmo depois de fazer compras. Esse era o lugar.

Estado: Como aconteceu?

Franklin McCain: Fomos a Woolworth no final da tarde de 1.º de fevereiro. Sabíamos que não seríamos atendidos. Havia muita gente no restaurante. Compramos material de escola, nos sentamos ao balcão e pedimos coca-cola, café e torta. Fez-se um silêncio de missa. ‘Por que não querem nos servir? Não há lei que nos impeça’, dissemos à garçonete, que era branca. Uma funcionária negra veio e nos falou: ‘São pessoas como vocês que nos causam problemas. Vão lá para baixo, se querem comer’. Ficamos mais bravos com essa mulher do que com a garçonete. Mas não saímos. Chegou, então, um policial enfurecido, mas que não sabia o que fazer porque não havíamos quebrado nenhuma lei. Ele batia o cassetete na própria mão, atrás de nós, e estava perturbado. Eu pensei que minha cabeça seria esmagada.

Estado: Ninguém os apoiou?

Franklin McCain: Uma senhora branca não tirava os olhos de mim. Concluí logo que ela estava enfurecida por eu ter me sentado no lugar dela. Então, ela se aproximou e pôs uma das mãos sobre o meu ombro e a outro no do meu amigo. Pensei que tiraria uma tesoura e nos mataria. ‘Meninos, estou orgulhosa de vocês. Eu só gostaria que tivessem feito isso há dez anos’, disse ela. Foi um alívio. Das ruas, pessoas brancas e negras vieram nos ver ali sentados. A loja foi fechada antes do horário e nós saímos porque, do contrário, seríamos presos por ocupação indevida.

Estado: O movimento foi reproduzido no país. Não tiveram medo?

Franklin McCain: A Câmara de Vereadores pediu ao presidente da universidade para nos manter dentro do câmpus. Ele respondeu que estávamos lá para aprender a pensar e que nada faria. Quando decidimos agir, naquela noite de janeiro, sabia que minha vida de estudante estaria acabada, que eu poderia passar anos na cadeia e até voltar para casa em um caixão. Mas a minha raiva era maior do que o medo. Nunca senti uma sensação de liberdade e de paz como aquela, no balcão da Woolworth.

Estado: Não sofreram ameaças?

Franklin McCain: A Ku Klux Klan veio atrás de nós no câmpus, com armas. Mas não nos pegaram. Recebemos cartas e telefonemas com ameaças. As pessoas passavam por nós e nos queimavam com cigarro, pisavam nos nossos pés e até cuspiam no rosto.

Estado: O que significou a eleição de Obama?

Franklin McCain: O presidente havia me convidado para almoçar durante a campanha (de 2008) e pudemos conversar. Quando saiu o resultado da eleição, fiquei estático. Não consegui a ir a nenhuma festa de tão emocionado que estava. Mas, agora, acho que ele vencerá por uma margem pequena. Muita gente branca que votou nele em 2008 já se sente com a consciência em paz, pode voltar a sua zona de conforto e não vai reelegê-lo.

Estado: Como é o racismo hoje no sul dos EUA?

Franklin McCain: Os negros agora têm esperança porque há um sistema que funciona contra a discriminação. Mas o racismo está ainda totalmente presente. Vejo o racismo todo o tempo e em todo o país. Tivemos muita mudança a partir do governo de Lyndon Johnson (1963-1969). Mas Ronald Reagan (1981-1989) fez um desserviço. Ao não fazer nada nesse sentido, George W. Bush abriu a porta para a discriminação. Agora, o racismo está presente em cada crítica de Mitt Romney à assistência social do governo. Isso é um código, que nós entendemos.

Fonte: Estadão

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