São Paulo: homenagem à Rota foi aprovada sob protestos

 

Sob protesto de militantes negros e ativistas de direitos humanos, o projeto de autoria do ex-comandante da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e atual vereador pelo PSDB, coronel Paulo Telhada, foi aprovado na tarde de terça-feira (3), com a votação mínima exigida pelo regimento interno da Casa: 37 vereadores votaram a favor e 15 contra. Houve ainda uma abstenção e dois parlamentares não compareceram ao plenário.

Por Lúcia Rodrigues

Os vereadores do PT, além de Toninho Vespoli (PSol), Orlando Silva (PCdoB), Ricardo Young (PPS) e Gilberto Natalini (PV) disseram não à homenagem. Ari Friedenbach (PPS), que perdeu a filha, Liana Friedenbach, assassinada por Champinha há quase 10 anos, preferiu se abster na votação.

Nas galerias, ativistas de direitos humanos, em maior número, estenderam faixas contra a homenagem. Ao centro, um grupo menor ligado ao coronel Telhada, que levou familiares e assessores, estendeu uma faixa onde se lia: “O povo de bem está com a Rota contra o crime e a corrupção”. Os logos da Polícia Militar e da Rota compunham a faixa. Apesar de Telhada ter convocado seus seguidores para pressionar pela aprovação do projeto, foram poucos os que compareceram às galerias da Câmara.

A votação ocorreu sob protesto de ativistas de direitos humanos e gritos de apoiadores do coronel. O presidente da Câmara, José Américo Dias, o Zé Américo (PT), por mais de uma vez mandou os policiais militares que trabalham na Casa retirarem ativistas do plenário. A ordem gerou indignação nos manifestantes que tentaram evitar a expulsão dos colegas.

Ofensa

O mesmo rigor não se verificou contra os apoiadores do coronel Telhada. Nenhum deles foi colocado para fora das galerias. A vereadora Juliana Cardoso (PT) chegou a ser chamada de vagabunda enquanto discursava contra a homenagem à Rota, mas Zé Américo não mandou a PM expulsar o agressor.

O clima tenso acompanhou os debates também no plenário. Telhada chegou a questionar o fato de parlamentares que não nasceram em São Paulo se manifestarem contra a homenagem. O vereador soteropolitano, Orlando Silva (PCdoB), se indignou. “Não é porque nasci em Salvador que não posso falar ou votar”, reagiu. “Todos os que defendem os direitos humanos têm de votar não a homenagem à Rota”, apelou o vereador comunista antes de concluir a intervenção contundente contra a homenagem ao batalhão da Polícia Militar. Orlando afirmou que conhece de perto a truculência da PM por ser negro e ter morado na periferia.

Repressão

Para a vereadora petista Juliana Cardoso, a violência policial não pode ser a ferramenta da segurança pública do Estado. “Chega de violência”, clamou. Ela enfatizou que a Rota persegue os moradores da periferia. “Acabam com a juventude negra.”

Toninho Vespoli, do PSOL, que pediu novamente que a votação do projeto fosse nominal, leu uma carta assinada pelo Comitê Contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica e por vários movimentos e organizações sociais, que denuncia a violência da Rota contra os pobres. “A Câmara deveria pedir desculpas às mães que perderam seus filhos assassinados pela Rota. Essa homenagem é vergonhosa”, afirmou Vespoli indignado após a votação.

Por ter impedido por três vezes a votação do projeto do coronel tucano, o vereador Vespoli sofreu a retaliação do PSDB, que solicitou a vaga que ele ocupava na Comissão de Direitos Humanos da Casa, para o partido. “Perder a vaga foi só o começo”, prevê Vespoli, que considera que sua atuação no Parlamento será dificultada daqui em diante.

O vereador Gilberto Natalini (PV), ex-preso político durante a ditadura e que chegou a ser torturado pelo ex-comandante do DOI-Codi paulista, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, também criticou a aprovação da homenagem. “Votei contra essa concepção de segurança.” Nas galerias, manifestantes gritavam a palavra de ordem: “A verdade é dura, a Rota faz tortura”.

Ricardo Young (PPS) questionou a aprovação do projeto por votação apertada. “Ganhou por apenas um voto. As homenagens da Câmara deveriam ser consensuais.”

O vereador Laércio Benko (PHS), representante das religiões de matriz africana na Câmara, votou a favor da homenagem. Ele diz não temer ser criticado pelos frequentadores dos terreiros de candomblé por ter votado a favor da Rota. “Não acredito que os negros sejam perseguidos pela Rota. Tenho muito respeito pela Rota.”

Perseguição

Um dia antes, dois estudantes da Universidade de São Paulo (USP), Miguel Ângelo Sena da Silva, da Saúde Pública, e Priscila Costa, da Letras, membros do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica, foram abordados por policiais militares quando colavam com fita adesiva cartazes na porta dos gabinetes de vereadores que haviam votado a favor da Rota em sessões anteriores. Segundo os estudantes, eles foram obrigados a apresentar o documento de identidade e a fornecer os endereços residenciais para os policiais.

Na sessão de terça (3), os dois retornaram à Câmara para protestar contra a homenagem. “Nunca houve uma salva de prata aprovada com tanta resistência”, destacou Priscila, que também é moradora da Favela São Remo, no Butantã. “Teve um PM que chutou nosso colega. O policial estava agindo com muita truculência”, revela Miguel, ao se referir ao momento em que os ativistas estavam sendo postos para fora das galerias por ordem do vereador petista Zé Américo.

 

Fonte: Vermelho

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